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8 - A ultima peça do jogo

A vida traz muitas surpresas! Em um dia recebemos uma noticia ruim, no dia seguinte uma noticia excitante! Eu havia entrado em contato tantas vezes com os cartórios e igrejas de Sertãozinho e Ribeirão Preto, e em alguns casos, demoravam tanto para responder que até me esquecia disso. Eu havia escrito a Catedral de Ribeirão Preto em dezembro de 2015 solicitando a busca da certidão de casamento do Giacomo Sarti e Amabile Feltrin e também a certidão de batismo do Henrique Sarti, visto que não encontramos o registro de nascimento dele no cartório, e a resposta era sempre negativa. No dia 17/12/2015 esta foi a resposta que eu recebi:

(...)  finalizamos a pesquisa solicitada do Casamento de Giacomo Sarti e Amabile Feltrin. Livro 04 e 05 de Setembro de 1888 a Julho de 1893 não foi encontrado. Pesquisa do Batismo de Henrique Sarti, foi encontrado o registro solicitado.

Quatro anos depois, no dia 29/09/2019 recebi uma resposta da Catedral de Ribeirão que me surpreendeu como nunca antes:

Encontramos a certidão de casamento de Jacomo Sarti e Feltrina Amabile. Caso tenha interesse em obter a certidão, confirme os dados enviados anteriormente.

Nem eu nem o Bruno, meu primo, acreditávamos nisso! Este tempo todo estava no arquivo da Paróquia Catedral Metropolitana de São Sebastião da Arquidiocese de Ribeirão Preto! Fiz a solicitação e aguardava ansiosamente pela chegada do documento.

Eu acreditava que através dele poderíamos confirmar os nomes dos pais do Giacomo, e se tivéssemos sorte, indicaria a comune (cidade) onde ele nasceu na Itália. No dia 12/08/2019 a certidão finalmente chegou.  Foi assim que finalmente descobri que Jacomo Sarti (Giacomo Sarti) e Feltrina Amabile (Amábile Feltrin) casaram-se no dia 5/10/1889 naquela Matriz. Ele, filho de José Jacomo (Giuseppe Sarti) e de Luiza Munari (Luigia Munari) e ela de Zelice Amabile (Felice Feltrin) e Luiza Gabrieli (Luigia Gabrieli). Inacreditáveis os erros de grafia e como Felice virou Zelice, e as outras confusões com os nomes dos pais dos nubentes! O documento tem efeito jurídico de direito civil, bem como religioso de acordo com a Lei 1110 de 23 de maio de 1950. A certidão não informava o local de nascimento de nenhum deles, mas pelo menos confirmava que o nome da mãe do Giacomo era Luigia Munari e do pai Giuseppe Sarti.

Menos de um mês depois, no dia 06/09/2019 recebi outra noticia surpreendentemente boa. Era tão boa que achei difícil de acreditar. A Daiane Sarti mandou uma mensagem pelo WhatsApp dizendo que ela havia falado com Carla Sarti, uma prima de quinto grau. Carla lhe disse que tinha um “contato forte” na Itália para rastrear os documentos do Giacomo Sarti lá. O contato, neste caso tratava-se de uma espécie de detetive que tinha prática em encontrar documentos para pessoas interessadas em adquirir a cidadania italiana. Ele cobrava pelo serviço, mas só receberia o valor se os documentos fossem encontrados. A Daiana perguntou para mim e o Bruno: - “Mas o nosso antenato (dela e da Carla Sarti) é o Giacomo Sarti, via Bruno Sarti, seu segundo filho. Logo, este será o ponto de partida para as buscas. Vocês têm interesse?” - Sua pergunta era relevante, pois eu e o Bruno estávamos colecionando os documentos pelo lado da nossa avó Virginia Sarti e a Daiana não tinha parentesco pelo lado da nossa avó materna, assim para ela, só interessava encontrar documentos do Giacomo Sarti.

Embora eu e o Bruno Sarti, meu primo, tivéssemos como plano A, tentar a cidadania via processo jurídico, através do Carlo Tiozzo, nunca perdemos a esperança de descobrir a origem de Giacomo Sarti. A Daiane me passou o telefone da Carla com quem entrei em contato logo em seguida. A coincidência era que eu tinha sido professor de inglês da Carla doze anos atrás aproximadamente, quando eu morava em Santo André. Naquela época ela era ainda adolescente. Mandei mensagem pra Carla e passamos a nos falar. Ela me contou que uma amiga dela, depois de encontrar enorme dificuldade em encontrar documentos de seu bisavô, teve a ajuda do Fernando, o tal ‘detetive’ e conseguira todos os documentos do seu antenato. Sua amiga já estava com a passagem aérea em mãos para a Itália onde daria inicio ao processo de cidadania.

Conversando com a Carla, confirmei que a falta de informação sobre os antenati (antepassados) era generalizada. Sua família também acreditava que o Bruno Sarti, filho do Giacomo era italiano, mas o pesquisador, depois de pesquisar documentos dele aqui no Brasil, confirmou que não, que ele era brasileiro e que o antenato era o Giacomo Sarti. Isto eu já sabia em razão das pesquisas que eu havia feito até então. Mas de forma efusiva, ela disse que tinha uma grande novidade: “O Fernando sabe onde o Giacomo Sarti nasceu e onde está a certidão de nascimento dele. Eu queria acreditar, mas depois de tantas decepções e desapontamentos, não me contentei com estas verdades aparentes. Não depois de tantos desencontros e confusão com nomes, datas, e informações desencontradas da família. Era mesmo o nosso Giacomo Sarti? Seria um homônimo?

A Carla Sarti estava em Seatle, EUA e depois iria ao Canadá. Ela disse que só poderia verificar o assunto um mês depois, quando voltasse. Mas eu não podia esperar, estava muito ansioso e queria ter certeza. Ela me passou o contato do Fernando, pesquisador, com quem passei a conversar. No dia 09/09/2019, pela manhã, eu enviei ao e-mail dele as informações que eu tinha do Giacomo. No mesmo dia, por volta das 21 horas, eu mandei mensagem pra ele. Logo depois me dei conta que deveria ser uma hora da manhã na Europa e me desculpei, mas ele disse que trabalhava até tarde e acrescentou: - “vamos matar isso de vez.”

Ele confirmou que as certidões que ele havia encontrado aqui no Brasil, eram as mesmas das copias que eu enviei para ele no e-mail, ou seja, as certidões de casamento e óbito do Giacomo e as certidões de nascimento e óbito do Bruno Sarti (filho do Giacomo). Reiterei que eu queria apenas ter certeza que era o mesmo Giacomo Sarti e não um homônimo, como já havia acontecido antes. Ele foi categórico: - “É ele mesmo.”- Mas adiantou que só tinha cópias dos documentos, tratava-se de microfilmagem feita dos livros originais e não serviam como documento. Ele só providenciaria os documentos depois que confirmássemos o pagamento pelo seu serviço. Eu estava disposto a pagar pra ver. Garanti a ele que pagaríamos os 300 euros antes combinado. Então ele explicou o processo, passo a passo, do início ao fim até descobrir onde estava a certidão de nascimento de Giacomo Sarti, a última peça do quebra-cabeça.

Fernando começou a procurar documentos com o sobrenome Sarti aqui no Brasil. Não conseguiu encontrar a lista de desembarque de Giacomo. Entendi a dificuldade, pois eu também não tinha conseguido. Mas ele descobriu o registro de casamento dele. Tratava-se daquele mesmo que eu tentara e só conseguira em agosto. Ele disse algo que eu já sabia, não encontrava o registro de casamento dele no cartório porque eles só se casaram na igreja de Ribeirão Preto. Os registros só começaram a ser feitos em cartório no Brasil á partir de 1889. Ele enviou uma fotografia tirada do livro original.

Ele também teve dúvidas se o nome da mãe de Giacomo era Luigia Munari ou Luigia Nardi, conforme consta na certidão de nascimento de Bruno Sarti. A fim de confirmar os nomes dos pais do Giacomo, ele também procurou por outros registros de filhos do Giacomo e Amabile. Encontrou uma copia do registro de Linda Sarti nascida no dia 08/07/1894. Ali estava bem claro os nomes dos avós dela: avós maternos Giuseppe Sarti e Luigia Munari, já falecidos. Linda deve ter morrido bem jovem, ainda criança, pois seu nome não consta da lista de desembarque do navio Hollandia, da viagem da Argentina em 1911.

Fernando começou então a procurar por documentos com sobrenome Sarti na Itália. Dessa forma, encontrou o registro de nascimento de uma irmã de Giacomo. Tratava-se de Ângela Sarti,  nascida no dia 28/12/1873. Seu registro continha informações importantes, como os nomes dos pais, idade, endereço, profissão e o fato de que eram analfabetos e o mais importante para nós, o nome da cidade onde eles moravam em 1873, Castelguglielmo, Rovigo.  

Logo depois, pesquisando documentos na região de Castelguglielmo, Rovigo, ele encontrou na lista di leva o nome de Giovanni Sarti, nascido em 1864, também em Castelguglielmo, filho de Giuseppe Sarti e Luigia Munari. Estranhou! Seria ele irmão de Giacomo Sarti?  Não encontrou certidão de nascimento do Giovanni Sarti, porque os registros civis na Itália, só começaram a ser feitos depois de 1864. Os únicos registros oficiais eram os feito nas igrejas, por ocasião do batismo. Fernando estava intrigado. Esse Giovanni poderia ser um irmão do Giacomo, mas a data de nascimento estava muito próxima ao ano de nascimento do Giacomo, 1865. Pelo menos essa era a data que nós acreditávamos ser seu nascimento, baseado nos documentos que tínhamos dele. Continuou sua busca. Ele encontrou na lista de leva o nome de Abramo Sarti, nascido em San Belino, Rovigo, próxima a Castelguglielmo. Os pais de Abramo são Carlo Sarti, provavelmente irmão de Giuseppe Sarti, e Rosa Viaro.

Fernando começou então a pesquisar sobre o Abramo Sarti. Foi então que descobriu a lista de desembarque onde aparecia o seu nome. Foram feitas varias tentativa antes de encontra-lo porque no arquivo do Acervo Digital do Museu da Imigração do Estado de São Paulo, fora digitado ‘Sarte’ no lugar de ‘Sarti’. Trata-se de erro de digitação, pois na fotografia do documento original a grafia esta correta.

Lista de desembarque do navio LaFrance do dia 28/06/1888 disponível no Acervo Digital do Museu da Imigração do Estado de São Paulo. Nome: Abramo Sarte (não digitar Sarti). Data: 28/06/1888, Parentesco: filho,  Família: 00520, Livro: 012 Página: 084.


Enfim, Abramo Sarti e seus familiares chegaram ao Brasil no dia 28/06/1888 no navio La France. Na lista de desembarque estava a resposta daquele mistério. Nesta lista constava que Abramo emigrou da Itália com sua mãe Rosa (65), seu cunhado Natale (32), sua irmã Maria (31), e uma sobrinha Maria (04). E agora vinha a surpresa. Veio com ele um primo solteiro com 24 anos de idade chamado Giacomo Sarti. [1] 

Se o Giacomo tinha 24 anos em 1888, então ele havia nascido em 1864 e não em 1865, como imaginávamos. Neste caso, como poderia haver um Giacomo e um Giovanni Sarti, filhos de Giuseppe Sarti e Luigia Munardi nascidos no mesmo ano e na mesma cidade? Só havia uma resposta possível: Giovanni e Giacomo eram as mesmas pessoas: Nosso bisavô, nosso antenato, pai do meu avô Ângelo Sarti, avô do meu pai Reinaldo Sarti, meu bisavô e do Bruno Sarti, foi registrado como Giovanni Sarti na lista di leva e não como Giacomo Sarti. O Fernando explicou que havia a possibilidade de seu nome ser Giovanni Giacomo Sarti, mas ele não usava o primeiro nome. Mas podia ser outro caso de erro de digitalização. De qualquer forma, coincidiam o ano de 1864, a cidade e os nomes dos pais. Não poderia ser outra pessoa. Aleluia! Finalmente tínhamos a resposta. Eu estava emocionado! Era a ultima peça do quebra-cabeça. Com tudo encaixado, o desenho estava completo.

No mesmo dia, falei com a Carla por mensagem e me ofereci para organizar o grupo com familiares descendentes do Giacomo Sarti, que tivessem interesse em uma cópia do documento. Para minha surpresa, havia 22 pessoas interessadas. Eram netos, bisnetos e tataranetos de Giacomo Sarti. De muitos desses descendentes, eu nunca ouvira falar. Mas estávamos ligados pelo mesmo sangue e pela mesma história. Combinamos de converter os 300 euros em reais e dividir o valor entre todos os interessados. O Fernando disse que iria providenciar o estratto per riassunto dell’atto di nascita, o registro de nascimento do Giacomo e que o receberíamos em até 90 dias a partir de setembro de 2019.

Essa história poderia terminar por aqui, mas não foi bem assim. Três meses depois recebi mensagem do Fernando de que ele havia recebido documento errado. Precisou fazer novo pedido o que implicava em mais alguns meses de espera. (Até o dia o dia desta postagem 16/06/2020 não o havia recebido.)

[1] Ao compararmos o documento original de desembarque do navio La France com o que está disponível no site do Acervo Digital do Museu da Imigração do Estado de São Paulo, observamos que há um erro de digitação. O nome Sarti foi digitado como Sarte. Há outro erro, mas este foi cometido em 1888 no documento original. A sobrinha de Abramo de nome Maria, com 4 anos é na verdade um garoto e chama-se Mario. O erro foi replicado no documento digital. Este erro foi descoberto pelo pesquisador Fernando que descobriu o nome de Mario Donega na lista di leva de 1884


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