O título é uma paródia do livro Anarquistas, graças a Deus de Zélia Gatai. Zélia era filha de italianos, seu pai de Florença, sua mãe do Vêneto. Seu livro publicado em 1979 é uma crônica onde ela mistura fatos e imaginação. É o registro e o testemunho de suas observações da vida familiar. Nos parágrafos à frente, eu me dedico a descrever as minhas memórias como também de outras pessoas da família, e dessa forma, reconstruir a rica experiência que tivemos nos nossos passeios e principalmente da vida da minha família que permaneceu no interior paulista. Ouvir as histórias de outras pessoas nos dá pontos de vistas diferentes dos mesmos objetos e acontecimentos. Elas aumentam, explicam e enriquem os fatos e minhas observações. Convido o leitor a fazer esta viagem comigo!
Colina - 2019
Em dezembro de 2019, eu fiz uma viagem com a minha mãe até Colina. São cinquenta anos que nos separam daquela viagem feita em 1968. Meu objetivo era visitar meus tios e primos, conversar, recordar e reviver aquela época na fazenda Palmital e fazenda Retiro. A viagem aconteceu entre 25/12/2019 e 30/12/2019. Nesta viagem também visitei a cidade de Dumont, SP.
A Fazenda Retiro
Zenaide contou que quando ela nasceu, em 1954, todos moravam na Fazenda
Retiro: nosso avô Ângelo, seu pai, meu tio Antonio e o meu pai, Reinaldo e sua
família. Eles moravam na mesma colônia. A família do meu avô e o meu pai saíram
da fazenda Retiro no final de 1961 e foram para a fazenda Jangada, em Barretos.
Em 1960, quando a Elza, minha irmã nasceu, todos eles
ainda moravam na fazenda Retiro, mas minha mãe fez o parto no hospital de
Bebedouro. Por que Bebedouro e não Colina? Eu queria saber. Minha mãe disse que
era costume as mulheres da fazenda Retiro irem ter filhos no hospital de lá. A Zenaide
explicou que o hospital era uma Santa Casa administrada pelas irmãs católicas
(freiras). A Zenaide se lembra das irmãs na fazenda pedindo doações para o
hospital. Como os fazendeiros faziam contribuições, as mulheres dos colonos
eram aceitas gratuitamente quando faziam o parto. Minha mãe foi de taxi, por
ocasião do nascimento da Elza, mas minha tia Clair pegava carona em caminhão.
Ela teve quase todos os filhos lá. Isso explica por que no registro de
nascimento da minha irmã e dos meus primos, diz que eles nasceram em Bebedouro,
e não Colina.
Quando minha mãe se casou com meu pai, em 1959 ela
foi morar na fazenda Retiro. Não era costume montar uma casa para o novo casal.
Um dos motivos era que nem sempre havia casas vazias nas colônias, e outro era
que fazia parte do costume entre os descendentes de italianos. Assim como era
na Itália, muito antes da imigração, a nora vinha morar com o sogro e a sogra.
O motivo era que, quanto mais pessoas na família, melhor seria para pegar
serviço nas fazendas. Mas, minha mãe não ia ajudar no trabalho da roça. Segundo
ela, ela nunca trabalhou na roça, nem quando solteira nem depois de casada. Ela
ficava em casa ajudando minha avó com os trabalhos domésticos. Por ocasião do
casamento, minha tia Zulmira, então com doze anos, deixou de ajudar minha avó e
começou a ajudar na roça. A minha tia Nadir, a partir dos oito anos, ia levar o
almoço na roça, e não voltava, ficava lá ajudando o meu avô e os irmãos dela,
assim como a Zenaide que ficava ajudando seu pai, meu tio Antonio. Era outro
costume entre os colonos.
Todos trabalhavam no café, mas a Zenaide lembrou que por
volta de 1962 e 1964, enquanto ainda trabalhavam na fazenda retiro, o patrão
mandou arrancar os pés de café e plantou laranja no lugar. Os pés arrancados
eram colocados em fileiras e os colonos usavam para fazer lenha para o fogão da
cozinha. Como a laranjeira demora a crescer, eles plantavam feijão ou milho nas
fileiras entre os pés de laranja. Havia áreas da fazenda que foram reservadas
apenas para plantação de feijão e milho. Meu tio era meeiro, por isso, tudo o
que era plantado, depois de colhido, era dividido com o patrão. Para a Zenaide,
a fazenda Retiro era uma das melhores fazendas para se trabalhar e morar na
época. Havia uma horta onde plantavam couve, abobora e verduras. A Idalina lembrou que havia fartura de frutas
como bananas e mangas.
A partir dos oito anos de idade a Zenaide começou a
ajudar na roça. Ela ia a escola de manhã e depois do almoço ia ajudar meu tio e
minha tia a capinar. Meu tio chegou a fazer uma enxada menor para ela ajudar na
capina. Ela era a filha mais velha, o filho que meu tio não teve. Isso é uma
herança da cultura italiana. Esperava-se que o primogênito fosse ‘maschile’, homem. Quando vinha uma
menina, era uma decepção! Minha tia Clair também ajudava na roça, mas às vezes
se negava a fazer algumas coisas não gostava. A Zenaide, ao contrário da mãe, sempre
dizia sim ao seu pai. A Esmeralda, a segunda filha não trabalhava na roça, ela
ficava em casa e cuidada dos irmãos menores. Quando voltava da roça a Zenaide
ainda tinham que debulhar milho para dar para as galinhas. Para os porcos davam
espigas inteiras, mas tiravam a palha antes. Agora eu entendi por que quando
nós íamos para Colina, passar férias escolares, eu quase não via a Zenaide!
Em época de colheita, os oito membros da família iam
para a roça, mas somente meu tio, tia e Zenaide trabalhavam. Os pequenos
ficavam debaixo de uma cabana para se proteger do sol, sob os cuidados da
Esmeralda. A Idalina, muito pequena ainda, deitava-se em um pano no chão e
ficava olhando para as nuvens no céu a imaginar animais.
Havia uma escola na fazenda Retiro que se resumia a apenas uma sala. Na sala de aula as turmas eram divididas em fileiras. Havia duas filas para o primeiro ano, uma fileira para o segundo e meia fileira de terceiro e meia de quarto. Os pais tiravam os filhos da escola para que eles ajudassem na lavoura, por isso muitos deles não terminavam a quarta série. Fiquei curioso em saber se elas conhecem alguém, da geração delas, que deram seguimento aos estudos. Segundo a Idalina, uma amiga dela veio para Colina morar com um parente e estudou na cidade. Depois de terminar a escola secundária, trabalhou em um banco e acabou se casando com alguém remediado, que trabalhava para o governo. Pelo menos um dos filhos dessa amiga se formou médico.
O meu tio Antonio e sua família continuaram a morar
na fazenda Retiro, por volta de 1968 a fazenda Retiro foi dividida em partilha
e a outra parte passou a se chamar fazenda Carro Queimado. A colônia ficava no
Retiro, e na fazenda Carro queimado ficava a coloninha, do outro lado do
açude. Nessa época, eles mudaram da
colônia para a coloninha. (Luiz, Toninho e Marcos - Fazenda Retiro / Carro Queimado, 1968)
Na coloninha, meu tio teve permissão para usar duas
casas. Em uma ficava a cadeira de barbeiro dele, e servia como depósito. Meu
tio Antonio, além de trabalhar na roça durante o dia, trabalhava também como
barbeiro a noite e final de semana. Ele cortava até mesmo o cabelo do dono da
fazenda, o Nenê Junqueira que doou uma cadeira de barbeiro para o meu tio para
ele montar uma barbearia na fazenda Retiro. Alem de ajudar meu tio, facilitava
a vida dos colonos que não precisavam ir até a cidade fazer isso. Meus tios e
primos moravam na outra casa, germinada a esta onde funcionava a barbearia.
Alguns anos depois, quando meu tio finalmente saiu da fazenda Carro Queimado,
ele comprou uma casa na cidade e montou uma barbearia onde trabalhou muitos
anos, dia e noite. Ele tornou-se muito conhecido como o barbeiro Tuím.
Lembraram-se que na casa onde funcionava a barbearia,
meu tio usou um dos quartos para fazer um banheiro onde pendurou um balde com
chuveiro embaixo. Mas para tomar banho, precisavam descer o balde com uma
cordinha, colocar a água temperada, puxar a corda para levantar o balde,
prender a corda e depois tomar banho. O meu tio vez um cercadinho de tijolos e
cimento para a água não escorrer para o resto do cômodo. Na outra casa,
geminada, eles moravam. Havia uma cozinha, sala e dois quartos. O casal dormia
em um quarto, e os filhos todos dormiam juntos em outro quarto.
Zenaide contou que para ter o primeiro radio, que ela
queria muito para ouvir as músicas de Roberto Carlos, meu tio Antonio fez ume
escambo. Trocou um radio de segunda mão por oito sacos de arroz. Meu tio
Antonio era meticuloso e exigente. Segundo a Zenaide, era muito inteligente e
gostava das coisas bem feita. Ele estudou apenas até o segundo ano na escola,
mas era muito bom de contas. Ela o ajudava a somar as notas que pegavam na
venda que ficava na fazenda Retiro e era administrada pelo Zapella. Eles não
pagavam com dinheiro, pegavam as mercadorias e pegavam uma nota, o Zapella
anotava o valor na caderneta dele. Acontece que na hora do acerto, as contas do
meu tio nunca batiam com as contas do Zapella. Ele dizia que as ‘meninas’ iam
lá pegar coisas e meu tio reclamava com ele: “Por que você não deu nota pra elas?” Era a palavra de um contra o
outro. Zenaide não se lembra como eles resolviam isso.
Fazenda Jangada - Barretos
A Zenaide queria saber o significado da palavra colono. Encontrei no
dicionário etológico que a origem da palavra vem do latim colonus, plural coloni,
que significa agricultor. Na região do estado de São Paulo, refere-se ao
trabalhador agrícola que trabalha por meação, contrato segundo o qual o
lavrador fica com a metade da colheita, devendo entregar a outra metade ao
proprietário da terra. Na região sul do Brasil, colono é o trabalhador dos
núcleos coloniais estabelecidos pelo governo no século 19, visando a introdução
de imigrantes, os quais recebiam um pequeno lote para cultivar, podendo
trabalhar também nas fazendas ao redor. Ela disse que alguns eram chamados de camaradas,
mas não sabemos a que se refere.
Minha mãe disse que a família do meu avô Ângelo Sarti
e o meu pai sempre trabalharam com café, nunca com outras lavouras. Como meu
avô Ângelo tinha muito filhos, ele tinha facilidade em encontrar trabalho em
fazendas com vários pés de café. Quando meu pai se casou e se separou do meu
avô, ele pegou 4.000 pés de café para trabalhar. Era mais do que as pessoas
normalmente pegavam. A média era de 3.000 a 3.500 pés de café.
A Zenaide lembrou que na fazenda Jangada, quando eu nasci, meu pai era ‘retireiro’, nome dado a uma pessoa que trabalha cuidando de bois e vacas. Ele se levantava cedo, separava os bezerros das vacas, soltava o gado para pastar e a noite recolhia. Minha mãe adicionou que ele fora contratado para trabalhar no café, mas que no último minuto ofereceram este trabalho a ele, porque estavam sem retireiro na fazenda Jangada, era algo urgente. Como ele iria trabalhar na lavoura a troco de salário, aceitou. Por falar em animais, meus avós tinham três vacas. A Zenaide disse rindo: “Eles eram considerados ricos!” O nome delas eram fumaça e Andorinha. O nome da terceira, não me lembro. Com três vacas eles garantiam leite para as crianças o ano todo porque as vacas tinham bezerro em épocas diferente. (Foto: A vaca fumaça e Reinaldo Sarti na fazenda Palmital em 1968)
Foi por volta de 1962 que meu tio Augusto saiu da
fazenda e foi morar em São Paulo. Mais um migrante na família. Começou a
especulação: Quando foi que ele saiu do interior para São Paulo? Morava na
fazenda Jangada? Em que ano foi? Por que veio pra São Paulo? Como foi a reação
do vô e da vó? Tinha quantos anos? Foi morar com parentes, mas quem? Trabalhava
onde?
Minha mãe disse que a família do Bépi (Giuseppi Sarti) foi a primeira a migrar para São Paulo. Vamos explicar quem são esses parentes nossos. O filho mais velho do meu bisavô Giacomo Sarti foi Enricco Sarti ou Henrique. Ele era, portanto o irmão mais velho do Ângelo Sarti, meu avô. O Henrique casou-se com Maria Bolognesi em 1913 e juntos tiveram cinco filhos que são: Primo Sarti (Nêne), Giuseppe Sarti (Bépi), Idalina, Josephina Sarti (Pina), Olivana Sarti (Eliana). Henrique faleceu em 1936 com 45 anos. Bépi, ou Giuseppe Sarti, era o tal primo do meu pai e do meu tio Augusto que se mudou com sua mulher Ana Montier para São Paulo, com ele foi também seu irmão Nêne e sua irmã Pina. Eu me lembro de ter ido com meu pai visitá-los quando moravam em São Caetano do Sul. A Pina fazia uma abobrinha refogada com linguiça frita, que era uma delícia! Mas, continuando a história, o tio Gusto ou Augusto, decidiu migrar para São Paulo também e os encontrou e foi morar com eles.
Em São Paulo, meu tio Augusto passou a dividir um
quarto com seu primo Nêne. Não havia telefones e o costume de manterem
correspondência naquela época entre as famílias. Assim, meus avos não sabiam
onde meu tio estava. Um dia, o Nêne veio para o interior visitar meus avós que
moravam na fazenda Jangada. Minha avó, ao vê-lo, disse chorando que tinha um
filho morando em São Paulo, mas não tinha notícias dele. Ela estava aflita! O Nêne
contou que ele estava morando com eles. Aparentemente meu tio Augusto não teve
muita dificuldade em se mudar nem em conseguir autorização do seu pai. Nessa
época, meu tio Augusto já namorava a Célia Zapella, filha do administrador da
venda na fazenda Retiro.
A fazenda Jangada ficava em Barretos, cidade onde
nasci e fui registrado. Eu queria saber como é que minha mãe sabia a hora de
ter o filho?
Com a palavra: Maria Aurélio Sarti
Ela disse que sentia dores uns três dias antes e teve
todos os filhos em parto normal, sem fazer cesariana. Mas como minha mãe foi
para o hospital? Quem a levou até Barretos? Foi o patrão, dono da fazenda que
deu carona para minha mãe no caminhão dele até o hospital em Barretos.
O hospital tinha a parte particular e a enfermaria.
Minha mãe ficou na enfermaria, mas eram quartos bem arrumados, com quatro camas
em cada quarto. Todas as camas estavam ocupadas, mas eu era o único menino, as
outras três mulheres tiveram meninas, por isso nem preciso colocar pulseira de
identificação em mim. Poucos dias depois, o patrão tinha ido para a cidade e
resolveu passar no hospital para saber quando minha mãe teria alta médica. A
enfermeira disse a ela podia ir embora se quisesse, e ela foi. Meu pai ficou
surpreso quando viu minha mãe voltando no caminhão. Meus pais se davam muito
bem com os donos da fazenda. Eles vinham a tardezinha até a colônia, colocavam
uma cadeira do lado de fora da casa e ficavam conversando. A esposa do patrão
ajudava minha mãe a cuidar da Elza, a primeira filha e eu também.
Da fazenda jangada, mudaram para a fazenda Caçula,
Colina. Em setembro de 1962 a família de Marcelo Sarti (63), irmão do meu avô e
Ângelo Sarti (58), meu avô, mudam-se da fazenda Jangada, Barretos para Fazenda
Caçula, Colina, SP. Em novembro de 1963 meu pai migrou para São Paulo com sua
família. Mas essa é a história da postagem número 3.
O pão da vó
Eu gostava muito de comer o pão que a minha avó fazia. Era muito diferente do pão francês que comprávamos nas padarias em São Paulo. Nem melhor, nem pior, diferente. Segundo a Zenaide, o pão era feito com banha de porco, farinha, fermento e sal. Ela acrescentou: “O que é a falta de informação! Tinha leite e ovos disponíveis, mas ninguém usava para deixar o pão mais nutritivo!” - Então era isso? O pão que eu via minha avó amassando, sovando, colocando sobre folhas de bananeira pra crescer e depois levado ao forno feito de barro, pré aquecido com lenha, para ser assado, e que eu me deliciava comendo com margarina e café coado na hora, era um simples pão feito com banha de porco, farinha, sal e fermento!
Voltamos a falar sobre o pão na casa da tia Zilda,
casada com meu tio Paulo. Ela explicou como minha avó fazia o pão com requintes
de detalhes. Derretiam a gordura do porco para usar para fazer o pão. Usava um
quilo de farinha para quatro pães. Só sabe o gosto quem já comeu! Em sua
receita ela usava apenas farinha, açúcar, sal, e fermento de litro. Não usava
leite nem ovos. Antes de tudo, era preciso fazer a reforma do fermento. O
fermento é feito a partir da mistura de água, farinha, açúcar e sal.
Costumava-se dividi-lo em duas partes: a primeira parte era usada para fazer o
pão, a segunda parte era guardada como “muda” para ser reformada na
próxima vez que o fermento fosse usado. Colocavam o líquido dentro de uma
garrafa bem fechada com um pedaço de espiga de milho e guardava em um canto da
cozinha para descansar. Depois de alguns dias, a pressão causava uma explosão e
a rolha estourava. Era hora de fazer o pão. Não havia dia nem noite. Às vezes
tinham que amassar o pão à noite, para não perder o fermento.
Ela voltou a dizer que na receita de pão da minha avó
Dirce (Virginia) não ia ovos nem leite, apenas a banha, farinha, açúcar, sal e
o fermento. Faziam a massa, passavam no cilindro e depois amassavam o pão.
Quando não tinham cilindro, tinham que sovar a massa até ela ficar macia, o que
era exaustivo. Deixavam os pães descansar cobertos com um pano branco e
esperavam até ele dobrar de tamanho. Colocavam no forno e logo sentiam o cheiro
do pão vindo do forno. O forno da minha avó ficava do lado de fora de casa, sob
um coberto. A minha avó guardava os pães dentro de um saco, amarrava e colocava
no baú. A Zenaide e Esmeralda se escondiam dentro do baú quando iam passear na
casa da nossa vó.
Quando visitei minha tia Zulmira em Monte Azul,
perguntei pra ela. Queria confirmação. Ela disse que minha avó colocava leite e
ovos na receita. Lembramos dos pãezinhos pequeninos que ela fazia para os netos
e assava junto aos pães grandes. A Cristina, minha prima, filha da tia Zulmira,
lembrou que depois que ela assava os pães, ela os colocava em um saco, amarrava
a boca e colocava dentro de um baú, onde era armazenado. O baú tinha três
separações e em cada uma delas, minha avó guardava algo diferente. A tampa do
baú ficava o tempo todo fechada. Quando minha avó levantava a tampa para pegar
o pão, saia de lá aquele cheiro gostoso do pão! Pode ser que minha avó tinha
receitas diferentes para o pão. Mas pelo que me lembro, o pão dela era um pouco
duro, é bem provável que o que eu comia, não levava nem ovos nem leite!
Fazenda Palmital
Minha mãe lembrou que quando eu tinha cinco anos de idade, portanto em
1967, meu pai veio visitar seu pai, Ângelo Sarti na fazenda Palmital. Ele
trouxe apenas eu e a Rita, que na época tinha três anos de idade. Minha mãe
tinha a Silvia muito pequena, por isso ela ficou em São Caetano com a Elza e a
Silvia, ainda bebê. Nesta viagem, meu pai foi comigo até o cafezal levar comida
para meu avô e seus irmãos que estavam trabalhando. Em um segundo de descuido,
eu desapareci. Quando se deram conta, começaram a me procurar naquelas fileiras
intermináveis de cafeeiros, sem sucesso. Gritavam meu nome e procuravam por
lados diferentes. Segundo minha mãe, a preocupação dele era que, de um lado
havia um matagal, do outro lado do cafezal, um pasto com bois e vacas. Se no
matagal eu pudesse ser vítima de uma cobra, no pasto eu seria confundido com um
cachorro e poderia ser destroçado sob os pés de um toro raivoso. De repente,
meu pai viu um pequeno vulto cruzando uma fileira de café. Gritou o meu nome.
Eu voltei, o vi distante e corri em sua direção. O alívio que sentiu por não
ter que levar a notícia de uma tragédia na volta para casa, não era o mesmo que
minha mãe sentia em casa. Ela sonhava todas as noites que meu pai poderia
perder minha irmã, a Rita ou que algo aconteceria com um de nós. Eu consigo
lembrar muito vagamente dos cafeeiros, como se fossem pinheiros gigantes, mas
não do ocorrido. Confio na versão do relato deles. Não sei o que me levou a
fugir do pequeno círculo que provavelmente pararam o trabalho para almoçar e
que causou distúrbio aquele momento tranquilo. Mas não fora a primeira vez.
Minha mãe contou que ainda na fazenda Jangada, pouco antes de nos mudarmos para
São Paulo, eu com dois anos de idade, também desapareci. Passei por baixo da
cerca de arame farpado e corri para o pasto que ficava em frente à colônia, em
direção as vacas. Os animais pararam em fileira para me observar. Fui salvo
pelos gritos desesperados de minha mãe que implorava para eu voltar. Eu obedeci
e voltei, completamente ignorante do perigo que corria. (Foto acima: Elza e Luiz - fazenda Palmital em 1969)
O amigo do meu pai
Nessa viagem pra Colina, eu fui visitar o cemitério da cidade, onde estão
as cinzas do meu pai. Depois do cemitério e de nos separarmos de minha mãe, eu
e o Mateus Sarti passamos na oficina mecânica do meu primo Toninho, filho do
meu tio Antonio. Quando chegamos lá, ele estava trabalhando, mas havia dois
amigos dele sentados na calçada. Ele me apresentou a um deles. Seu nome era Laércio
Zanon, primo do falecido marido da Zenaide. Ele é da mesma idade do meu tio
Paulo e da Zenaide, ou seja, tem 65 anos de idade agora. Assim que o Toninho
explicou que eu era filho do Reinaldo Sarti, ele disse que a família dele era
muito amiga da família do meu avô Ângelo na época em que moravam na fazenda
Jangada. Isso foi quando eu nasci, em 1962.
O Laércio me contou algumas coisas interessantes
sobre os meus avós. Ele ia para a escola de manhã, sua mãe deixava a comida
pronta em caldeirão para ele e seus irmãos na primeira casa da colônia, que era
onde minha avó morava. Quando eles voltavam da escola, passava lá, almoçavam e
depois iam para a roça ajudar a família. A família Zanon conhecia os Sarti
desde o Retiro, depois seguiram eles para a fazenda Jangada e depois para a fazenda
Caçula e depois para o Palmital. Eu quis saber o que faziam eles mudarem tanto.
Sua resposta foi: “Frescura!” – não
tinha explicações complexas. Ele disse que se o café era bom, eles ficavam, se
fosse ruim, eles iam embora para outro lugar. Não estavam presos a nada e a
ninguém. A família Zanon veio da Itália, mas ele não lembrava de onde, o que já
era esperado. Foram para Araras e depois vieram para Colina.
No próximo post vou falar da visita a minha tia
Zulmira em Monte Azul, filha da Virginia Tiozzo e as minhas tias Zica, Zilda
e Isabel, todas noras de Virginia. Foram conversas interessantes visto que
temos versões diferentes da mesma pessoa. E por fim uma conversa com os tios Nego
e Paulo, o filho caçula dos meus avós Ângelo e Virginia.
GATAI, Zélia. Anarquistas Graças a Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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