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12 - A Mesopotâmia italiana

A palavra mesopotâmia quer dizer ‘terra entre rios’.1 Aqui refere-se a uma área específica no Vêneto, Itália chamada Polesine (pronuncia-se Polésine), importante em nossa história, pois nela encontra-se a maior parte das cidades onde nasceram, viveram e morreram alguns membros das famílias Sarti, Feltrin e Tiozzo. Nos documentos destas famílias encontramos a menção das seguintes cidades: Bagnolo de Pó, Castelguglielmo, Carvazere, Chioggia, Fratta Polesine, Lendinara, Ramadipalo, Rovigo, San Bellino, e Veneza, todas no Vêneto. 

A Polésina é um território situado ao norte da Itália entre os trechos finais de dois rios importantes, o Ádige e o Pó. Além desses dois rios ainda há o Tártaro-Canalbianco, o Adigetto, uma derivação do Ádige, o Ceresolo, um canal artificial de 50 km usado para irrigação e uma densa rede de canais de drenagem. Os rios, lagoas e pântanos ligavam as comunidades próximas, garantiam abastecimento de água e alimentos. Por isso, as primeiras áreas habitadas surgiram ao longo das margens desses antigos rios, cujas elevações naturais serviam como abrigo contra a maré de pântanos ou inundações frequentes na região. Também, ao longo das margens naturais ou dos leitos ondulados desses antigos rios, desenvolveu-se as principais redes rodoviárias do território. 

O Rio Po

O Rio Pó é o mais longo rio italiano com mais de 650 quilômetros. Tem sua origem em Piemonte, uma região circundada no oeste e norte por cadeias de montanhas, e deságua no Mar Adriático. Suas águas correm do Oeste em direção ao Leste, banhando varias cidades importantes no Norte da Itália. É um rio importante pela sua posição geográfica, comprimento e pelos eventos econômicos, históricos e sociais impostos desde a antiguidade em torno do seu percurso. 

        Através de milênios, seu curso mudou a morfologia do território que atravessa mudando seu aspecto pela quantidade de detrito transportado e pela força da água que recebe de vários afluentes. Era um curso de água muito mais lento que o atual, sem margens fixas, pois sua maior parte corre sobre uma planície, chamada de ‘Pianura Padana’. Sua forma foi e é determinada pelos eventos e condições climáticas e morfológicas do território. A planície do Vêneto é de origem aluvial, ou seja, seu solo é resultado da deposição de sedimentos provenientes das erosões dos Alpes Apeninos de onde se originou os rios Ádige e Pó. Inundações seguidas de inundações foram trazendo material sólido desagregado e formou-se, estrato encima de estrato. O solo da planície é como um bolo de várias camadas, cada uma delas contendo estratos com deposição (limo, argila, areia, cascalho, etc). Estudando o passado, é possível reconstituir esta evolução contínua e periódica, os eventos catastróficos, fenômenos hidro morfológicos como os cortes de meandro com acúmulo de sedimento em uma parte e erosão em outra parte e também o material biológico transportado pelo rio, animais, insetos, peixes, mamíferos e restos de vegetais que colonizaram a planície.

Há indícios de assentamentos nessas áreas desde a Idade do Bronze, cerca de 2.500 A.C. Desde esta época, o rio começou a ser manipulado, e aos poucos é transformado sendo drenado e tendo áreas perto de suas margens aterradas. Houve intervenção dos Romanos, dos Beneditinos e outras intervenções seguiram-se até depois da Segunda Guerra Mundial. O leito foi aprofundado com o tempo e ergueram-se as suas margens. Em alguns pontos foi preciso formar uma margem principal e uma secundária para proteger as áreas marginais de inundações. Hoje há grande atividade produtiva em regiões que no passado eram pantanosas. Entretanto, ocasionalmente o rio atravessa esses limites artificiais, como na grande inundação de 2000.

O Rio Ádige

O outro rio da região é o Ádige. Ele é o segundo rio mais importante da Itália depois do Pó com cerca de 410 quilômetros de comprimento. Nasce no Passo de Récia, Vale Venosta, perto das fronteiras da Suíça e Áustria, corre ao longo da planície veneta até desaguar no Mar Adriático, próximo ao município de Chioggia. Banha cidades como Merano, Bolzano, Trento, Verona e Cavárzere. O Ádige contribuiu para a formação do espaço físico e favoreceu a penetração humana e o seu assentamento. Sempre representou riqueza, e vida, provendo pesca e outros animais que frequentavam suas margens. Era fonte de matéria prima como areia para a construção de casas. Desde a Idade Média provia energia para os moinhos flutuantes de grãos e também para bombear água para os canais que irrigavam os campos próximos. Servia como rota fluvial que assegurava comércio eficiente entre o Trento e Verona e transporte de fragatas durante as guerras. Um meio de transporte comum desde a Idade Média era transportar mercadorias sobre balsas puxadas por cavalos. Os cavalos caminhavam por estradas às margens do rio e puxavam as balsas flutuantes.  Pelas estradas ao longo do rio, também passaram grandes expedições militares.

            Sempre houve um estreito contato entre o rio e o homem, às vezes de forma conflitante. O Ádige é protagonista de inundações importantes. O transbordamento do rio Ádige causou a modificação do seu curso d’água e desaparecimento de meandros e outros rios. Uma delas, conhecida como a ‘Rotta della Cucca”, aconteceu em outubro de 589 quando a vila de Cucca (Veronella desde 1902) foi praticamente destruída e alterou substancialmente a paisagem fluvial do baixo Vêneto.  Segundo a crônica de Paolo Diacono, monge cristão e historiador, ela provocou morte e destruição em Verona e de camponeses nos campos agrícolas. Outras importantes inundações aconteceram em 1882, 1966 e 1981. Assim como o rio Pó, o Ádige também sofreu importantes intervenções da parte do homem. Áreas antes pantanosas foram transformadas em campos produtivos e vinhedos. Em 1858 o curso do rio foi desviado do centro da cidade de Trento. A partir de 1800 as balsas foram substituídas por ponte em Trento. Depois das inundações de 1882, o governo austríaco regularizou a área do rio e as margens do rio foram reduzidas entre 80 e 60 metros.

Polésine - Entre o Po e o Ádige

A área entre esses dois rios é uma planície. Grande parte do território está abaixo do nível do mar, mas esta protegida por diques que acompanham o rio Pó e o Ádige até o Mar Adriático.  Sem tais obras de estruturas e defesa e os constantes trabalhos de recuperação, o território estaria completamente submerso. Podemos dizer que Polésine é uma terra projetada e modelada por rios e a história do desenvolvimento da região e de seu povo foi tecida com a história desses cursos d’água.

         Durante toda a história dessa região plana, poderosos exploraram suas riquezas, e homens comuns tiraram seu sustento da terra, mas também sofreram com a questão hidráulica. Estudos sobre a evolução do território polésino mostra que ao longo dos séculos houve significativa mudança na geografia local, com formação de bacias interfluviais, movimento da linha costeira, aterramento e afloramento de dunas, expandindo a planície, e os rios tinham cursos diferentes dos atuais. Por exemplo, no século XII a.C. O Rio Po 2 tinha dois leitos fluviais distintos. Sendo uma área plana, seus rios constantemente transbordavam causando alagamentos e inundações. Por isso, os primeiros habitantes da região assentaram-se nos planaltos e regiões montanhosas. Não há vestígios de que aquela área tenha sido habitada na pré-história (Era Paleolítica). Quando os Veneti estenderam seu território naquela região por volta do ano 1.000 a.C., eles se estabeleceram especialmente nos Montes Eugâneos.3 A maioria dos assentamentos nessas terras baixas era despovoada. Mas no final dos anos 1960, durante uma escavação e preparo do solo, foi descoberta uma área que foi chamada de Frattesina.4 As escavações e acervos encontrados neste sítio arqueológico mostram que já na segunda metade dos séculos XII e X a.C, Frattesina, já era responsável pela produção de grande parte do vidro encontrada na Europa evidenciando que a região era habitada e explorada há algum tempo. Frattesina e outros assentamentos locais menores da região estavam em uma posição estratégica, cujos cursos d’águas garantiam uma conexão rápida e segura com a costa do Adriático e com o vale do Pó e, portanto facilitava a circulação de matérias-primas locais e importadas, bem como a produção de uma vasta gama de artefatos.

Pré-História - Frattesina


Como viviam os habitantes de Frattesina? As descobertas indicam que a área habitada, muito extensa para a época, cobria mais de 20 hectares. As pessoas viviam em cabanas construídas próximas umas das outras, separadas por pátios e pequenas hortas. As casas eram feitas com postes de madeira, paredes de juncos e terra, cobertas com palhas ou juncos e pisos de barro cozido. Dentro das cabanas, havia local para a conservação de alimentos, a lareira de barro endurecida pelo fogo, panelas de cerâmica e moinhos de pedra para a moagem de cereais. A descoberta de fragmentos de peneiras sugere processamento de leite para fazer queijos, enquanto fusos e pesos de tear indicam atividades de fiação e tecelagem. Eram povos agricultores que cultivavam cevada, trigo, legumes, maçãs e uvas nos terrenos fora da cidade. Usavam ferramentas tais como foices de bronze, enxadas e também arados de madeira puxados por bois. Criavam porcos, gado, ovelhas, cabras e cavalos e caçavam animais como veados, javalis e aves e pescavam peixes de água doce. 

Os cemitérios ou necrópoles de Frattesina foram encontrados em Narde e Fondo Zanotto, portanto localizadas nas proximidades da área habitada, mas separada dela por um riacho que distinguia o mundo dos vivos do mundo dos mortos. Os mortos eram levados em barcos até o outro lado do rio onde eram cremados. Depois as cinzas eram colocadas em vasos bicônicos cobertos por tigelas e então enterrados. Algumas tigelas encontradas eram decoradas com motivos simbólicos, como o barco solar ou figuras de pássaros. Encontraram-se também nesses cemitérios alfinetes, fíbulas, tipo de fivela, e lâminas de barbear para enterros masculinos e fusos, fíbulas arqueadas e colares para mulheres.

Idade Antiga – Os Domadores de rios

Como vimos anteriormente, a relação entre os Etruscos e o povo do Delta do rio Po já era dinâmica na Idade do Bronze (1.200 a.C.). Durante o século VI, entre 750 e 500 a.C., os Etruscos expandem seu domínio no vale do Pó com a fundação de novas cidades e a construção de um formidável sistema econômico, com um centro estável e organizado. Como era isso possível em uma área sujeita a alagamentos?

No início do domínio Etrusco, a situação hidráulica na Polésina é extremamente precária e torna-se necessário obras de gestão das águas com intervenções de proporções consideráveis para a época. Os Etruscos capacitam cursos de água já existentes ou cavam novos canais que trazem água de volta ao ramo do rio de Ádria. Posteriormente, com um sistema de cortes e canais transversais, fossas entre as ramificações fluviais do delta e as lagoas, possibilitam a navegação de Altino na lagoa veneziana até Spina, passando por Adria, sempre permanecendo dentro da costa. Estas obras foram lembradas centenas de anos depois, por Plínio, o Velho, no primeiro século. A.D. Dessa forma, os Estucros começam a mudar a a paisagem daquela região. Surgem novas rotas e pontos de venda no Adriático e tais obras estruturais facilitam as relações comerciais entre o Mediterrâneo e a Europa.

Quando os Romanos chegam à região, a partir do século V, enquanto o sistema urbano comercial Etrusco entra em colapso a civilização romana emerge. Neste período, segundo o historiador Tito Livio, apesar das lutas e batalhas, não se exclui trocas comerciais e consequentes influências culturais, formas de mistura étnica, levando os Romanos a gradativamente conquistar a Itália no século III não houve importante confronto com a ocupação romana de Polésine, mas ela causou uma mudança na relação entre a natureza e o homem. O território foi sulcado por grandes vias de comunicação e dividido em parcelas agrícolas através do sistema chamado ‘Centuriatio’ (centuriação). Para facilitar o movimento dos exercitos romanos, aterram-se areas pantanosas e foram construidas estradas, como a Via Postumia, a via Popillia e via Annia, em 151 a.C. Ao longo dos rios navegaveis, prosperam centros urbanos. A paisagem urbana muda, as casas feitas com postes de madeira, paredes de juncos e terra, cobertas com palhas ou juncos e pisos de barro cozido, como as encontradas no sítio de Frattesina, deram lugar a construções com o uso de pedras. Para os Romanos, o peso das paredes representava cultura e civilização.

Houve mudanças na agricultura também. Os Romanos organizavam o território agrícola usando o sistema ‘Centuriatio’ com base no esquema que já adotavam na fundação de novas cidades. Era caracterizado pela regularidade de acordo com uma rede ortogonal,5 de estradas, canais e parcelas agrícolas. Foi utilizado tanto nos casos de recuperação e fundação de novas colônias, como na alocação de terras para veteranos de guerras. No Polésine, um grande ‘centuriatio’ se estendeu entre Ádria e Rovigo. O que foi realizado no tempo dos Romanos no território entre os Apeninos e a bacia do rio Pó em relação ao uso do meio ambiente tem poucas comparações, tanto em relação à vastidão do trabalho quanto em relação à persistência da transformação da paisagem pelo homem.

Primeira Idade Média - Hecatombe

A Primeira Idade Média, ou Antiguidade Tardia, corresponde à fase das invasões bárbaras, do crescimento do cristianismo na Europa e do desmantelamento do Império Romano, indo do século V ao século VIII. Neste período todo o trabalho realizado pelos Romanos foi literalmente por água abaixo. Durante todo o período entre o segundo e terceiro séculos a.C., a situação climática tinha sido relativamente estável e seca, favorecendo obras de recuperação e agricultura, mas a partir do IV século, começou um ciclo de chuvas intensas, levando a distúrbios hidrogeológicos significativos. Também o colapso do Império Romano e as invasões bárbaras, levaram as obras romanas, que regulavam a saída das águas de desuso ao abandono. O resultado foi que a região tornou-se pantanosa ou voltou a ser coberta por florestas. Passou a ter a aparência semelhante à da era pré-histórica. Em 589 houve a desastrosa inundação do rio Ádige causando a ruptura de aterros e diques inundando a vila de Cucca. Com isso, uma grande área da Polésine foi submergida e só depois de centenas de anos o rio Ádige encontrou um novo rumo em direção ao sul. O rio Pó di Adria foi praticamente extinto e o Eridanus, sofreu uma fase de erosão severa. Somente no século VIII suas águas também abrem novos cursos.

Após a queda do Império Romano, e o início da Idade Média, toda a área da Polésine foi palco de muitas guerras conforme vimos no capitulo anterior. A negligência e as inundações perturbaram a antiga ordem romana levando o território ao extremo empobrecimento. Neste período começam a surgir a aglomeração de pequenas cidades e vilas rurais, espalhadas em terras não cultivadas e pantanosas. Nelas os pequenos senhores feudais, as velhas famílias sobreviventes e os clérigos começam a erguer fortificações. Surgem os castelos medievais em pontos estratégicos do território, que eram passagens obrigatórias ao longo de rios e canais, à beira dos pântanos.

Alta Idade Média - Reflorescimento

A Alta Idade Média, que compreende os séculos VIII, IX e X, é o período de acontecimentos como o estabelecimento do Império Carolíngio (de Carlos Magno), o desenvolvimento do sistema feudal e a expansão islâmica. No Vêneto e Polésine, entre os séculos X e XII, os documentos atestam uma densa rede de centros habitados, como San Apollinare, Guarda, Borsea, Arquà, Pontecchio, Villamarzana, Frassinelle, Grignano e na região montanhosa de Bagnolo, Bariano, Melara, Bergantino, Ficarolo, Trecenta e Castelguglielmo. Surgem perto do Adige Badia, Lendinara e Costa. Adria continua e se desenvolver sob a graça do bispo, que une poder religioso e político. Rovigo, um pequeno grupo de casas na área de Gavello, é indicado em um documento no ano 834, como "villa" (cidade).  

A Polésine, que não possuía senhorio feudal, embarca em uma longa e inquieta história de guerras, enquanto os soldados já estão atravessando e recuperando as terras estragadas pela fúria das águas. Nos próximos trezentos anos, entre os séculos VIII e XI há uma grande afloração de mosteiros religiosos, igrejas e abadias como Santa Maria di Gavello e San Pietro em Maone, e áreas de Polesine e Paduan. Em meados do século X, o marquês de Almerigo, Mântua e sua esposa Franca tem uma pequena igreja construída em Vangadizza, que é então designada para Monges beneditinos. Desde a sua criação, essa Abadia de Badia Polesine desfruta do privilégio da "diocese nullius", diocese independente do bispo de Ádria e floresceu nos séculos seguintes graças a doações de terras e reconhecimentos de papas e imperadores.

Isso teve um efeito positivo no território. A presença das abadias enriquece e ‘cura’ o território: os monges desmatam e aram a terra, realizam trabalhos de recuperação que secam áreas pantanosas e insalubres, revivem a agricultura e a reprodução. Com o sistema "grange", fazendas reais também equipadas com moinhos e fornos, as abadias se tornam a força motriz da economia, dando um novo impulso ao comércio e atividades artesanais.

A Baixa Idade Média

A Baixa Idade Média corresponde aos séculos XIV e XV e chega, em algumas regiões, até meados do XVI. Nesse período, há eventos como o Renascimento Comercial e Urbano, propiciados pela reabertura do Mar Mediterrâneo, que antes estava sob domínio muçulmano. Ainda nesse período, há, entre o fenômeno da Peste Negra e o início o Renascimento Cultural e Artístico, que se destacou sobretudo na Itália e nos Países Baixos.

        O século XIII viu o fortalecimento progressivo da família Esteem Polésine,  chamado de domínio estense. Em meados do século XIV, os senhores de Ferrara (outro ramo da família Este) controlavam agora, de maneira decisiva, todo o território entre Adige e Pó, com exceção da área do Delta, onde Veneza amplia seu controle e influência. No final dos anos 1.300, uma nova guerra arruinou as finanças dos Ferrareses. A Polésine entra nesta historia, quando Nicolau III d'Este oferece a Polésine di Rovigo aos venezianos como garantia, ou penhora, em troca de um grande empréstimo.

Em 1405, Nicolau III cedeu as terras ancestrais da família, perto de Este à República de Veneza. Veneza instalou-se nesta região cobiçada e dominando os cursos do Adige e do Pó, comanda diretamente todo o comércio fluvial no Vêneto. Em 1438, os venezianos, envolvidos em uma guerra contra os Gonzaga, devolvem a Polésine à família Este em troca de sua neutralidade. Entre 1482 e 1484, outro conflito é travado entre Hércules I d’Este, Duque de Ferrara e o Papa Sisto IV e a República de Veneza, aliada do Papa. Foi conhecida como a Guerra de Ferrara ou Guerra do Sal. O conflito terminou com a paz de Bagnolo, assinado em 1484.

A Idade Moderna

Embora os limites cronológicos da Idade Moderna sejam objeto de debate, este foi um período específico da História do Ocidente que se inicia no final da Idade Média em 1453 d.C.. Guerras seguidas resultaram em desolação e destruição no território entre os rios Po e Ádige. Uma das primeiras ações de guerra era arrebentar os diques e barreiras d’água para causar o alagamento do campo e impedir o avanço das tropas. A série de destruições devastadoras causadas pelas guerras, combinado com fenômenos de afundamento natural do solo, e penetração das águas marinhas no interior, submergiram a maioria dos territórios das áreas de Ferrara e Rovigo. Os sedimentos dos rios, transportados pelas correntes para o norte, chegaram a obstruir as bocas da lagoa veneziana.

Trabalhos de intervenção e recuperação foram feitas posteriormente como os realizados pelos Estenses desde 1465. Começaram a construir diques ao longo dos rios elevando suas margens. Digno de nota foi o "Taglio di Porto Viro", o maior trabalho de engenharia hidráulica realizada no rio Pó por Veneza entre 1600 e 1604. Escavaram um canal desviando o curso do rio Pó para o sul onde deságua no mar. Foi assim que começou a formação do "delta moderno". Eles fecharam todos os rios voltados para o norte e favorecem os que se dirigem ao sul: Tolle, Gnocca e Goro. Em cerca de 350 anos a foz do rio se distancia 26 km do ponto original do corte.  A ação do homem gera a evolução econômica da região.

Apesar de todos os problemas causados pelas guerras e dos caprichos das águas, graças à sua nova importância nas rotas comerciais, Polésine vê suas cidades enriquecerem. Além das fortificações surgem edifícios para uso civil e religioso, como na cidade de Rovigo, onde uma escola pública e um hospital juntam-se as casas e lojas dentro de suas muralhas, e gradualmente erguem-se os palácios das famílias abastadas de comerciantes. No século XVI, um clima cultural animado estava se formando, os jovens de famílias nobres fundaram academias e ambientes que atraem intelectuais e artistas. Melhora também o aspecto arquitetônico das cidades com as ruas pavimentadas, as praças cuidadas e restauradas ou edifícios públicos, torres, pontes recém-construídos. Além dos prédios públicos, a arquitetura civil também embelezam as cidades, onde as famílias mais ricas erguem edifícios e palácios e no campo e nas localidades menores onde os venezianos construíram esplêndidas vilas, projetadas por arquitetos renomados como Andrea Palladio e decorado por pintores ilustres. Famílias afluentes colecionam pinturas, mapas, códigos e livros, iniciando uma competição silenciosa que torna alguns edifícios verdadeiros museus de arte e bibliotecas.

Nos anos 1.600, as intervenções e grandes recuperações em áreas antes sujeitas a alagamentos favoreceram a recuperação agrícola e o bem-estar relativo em toda a área da Polésine. As melhorias urbanas que acontecem com a construção de teatros, pontes, escolas e hospitais; além de enriquecerem a paisagem urbana, possibilitam o desenvolvimento lento e gradual de uma rede de instituições. As pessoas afluem a Polésine e os principais centros do território para os eventos culturais da época. Nas cidades e vilas são realizados torneios e competições entre os nobres, apresentações de peças de teatros em praças públicas onde carroças enfeitadas eram usadas como palco,  entradas reais e festas religiosas e os desfiles de carnaval onde as pessoas usavam máscaras. Estas festas funcionavam como elementos de coesão e sociabilidade nas comunas e com o tempo ajudaram a formar a identidade dessas comunidades. Entretanto, o território, nos séculos XVII e XVIII, foi repetidamente afetado pela presença de exércitos estrangeiros que se confrontavam na área entre Pó e Ádige.

Idade Contemporânea

A Idade Contemporânea, ou Contemporaneidade, é o período atual da história ocidental cujo início remonta à Revolução Francesa (1789). Neste período, a Polésine, seguindo o destino da Sereníssima República de Veneza, foi cedida em 1797 para a Áustria, passando da Áustria para a França e da França para a Áustria sucessivamente, até a queda de Napoleão em 1815, quando passa a fazer parte do Reino Lombardo-Vêneto. Em 1866, após a terceira guerra de independência, a Polésine é anexada à Itália assim como todo o Veneto.

            Nas últimas décadas do século XIX, até a Primeira Guerra Mundial, a Polésine assim como todo o Vêneto, desgastadas pelas guerras, intempéries climáticas, surtos de doenças e os efeitos da Revolução Industrial, e consequente empobrecimento da população, é sujeita a um enorme fluxo migratório. Seus habitantes, na maioria camponeses, partem para América, principalmente o Brasil e a Argentina. Outros partiram em direção ao triângulo industrial (Turim-Génova-Milão).

          Os que ficaram ainda testemunharam em tempos recentes outros eventos dramáticos que afetaram a Polésine e seus habitantes como a inundação catastrófica de 1951, com 100 mortos e 180.000 desabrigados e também as enchentes de novembro de 1966, que causou mais destruição e a perda de algumas áreas que ja haviam sido atingidas em 1951. 

      Voltando a nossa história, as famílias Sarti e Feltrin eram da região denominada Polésine. Os Tiozzo vieram de Chioggia que fica mais próxima de Veneza. Conhecendo a história desta região, nos dá uma visão de como a história e a cultura desse local formaram as pessoas dessas famílias. No próximo capítulo, vou demorar um pouco na história de Castelguglielmo, onde nasceu Giacomo Sarti e transcorrer as outras cidades que são mencionadas nos documentos dessas familias. 

Fontes e referências:

  1. Dicionário Hauaiss – Etimologia - Mesopotamia: gr. mesopotamía,as ou mesopotámios,a,on 'situado entre dois rios'. Aqui utilizei a expressão ‘Mesopotâmia da Itália’ emprestada de do artigo La Terra Tra i Due Fiumi – Tra L’Adige e il Po, La Mesopotamia D’Italiapara falar de uma área específica no Vêneto, Itália.
  2. Rio Pó - Perto do fim do seu curso, o rio dá lugar a um grande delta, com centenas de pequenos canais e cinco cursos fluviais principais, chamados Po di Maestra, Po della Pila, Po delle Tolle, Po di Gnocca e Po di Goro. O vale atravessado por este rio é chamado em italiano de Pianura Padana, de Padus (nome latim do rio). Esta planície tão bem irrigada pelas águas do rio Pó e seus afluentes, se tornou a principal área agrícola e, em seguida, industrial do país. A sua importância é tal que está sujeito ao controlo de uma agência suprarregional denominada Agenzia Interregionale per il fiume Po (AIPO).
  3. Frattesina was discovered towards the end of 1960s during deep excavation and tillage works. The initial phase of exploration and research was followed by intense excavation works that lasted till the 1990s. In the middle of 1980s the works on the necropolises in Fondo Zanotto and then in Narde were initiated. The Frattesina site is widely recognised in the European palethnological literature.
  4. GRUPPO ARCHEOLOGICOMILANESE - LA TERRA TRA I DUE FIUMI - TRA L’ADIGE E IL PO, LA MESOPOTAMIAD’ITALIA - Viaggio di studio dal Dispensa didattica per i partecipanti GRUPPO ARCHEOLOGICO MILANESE 26-27-28 settembre 2014 - Testo a cura di Gabriella Giuliani, con il contributo di Marina Ecanti – 
  5. A Rede Ortogonal é características de ordenação de espaços e ruas urbanas, dispostas em paralelo e com um traçado geométrico ortogonal, com ruas largas e ausência de becos sem saída.
  6. Família Este - A família Este ou Casa d'Este era o ramo italiano de uma importante dinastia europeia de príncipes. Foi soberana nos Ducado de Ferrara e de Ducado de Módena e Régio, além de importantes mecenas durante o Renascimento. É provável que sua origem seja lombarda. O nome de família advém do Castelo de Este, perto de Pádua

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