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13 - Castelguglielmo

Quando eu perguntava ao meu pai: 
De onde vieram os seus avós?” Eu esperava a seguinte resposta: “Eles vieram de uma cidade chamada Castelguglielmo, que fica na província do Vêneto na Itália.” Mas como disse antes, a resposta era simplesmente: “Da Itália!” Depois de montar um verdadeiro quebra-cabeça eu finalmente cheguei à cidade onde Giacomo Sarti, meu bisavô nasceu: Castelguglielmo.

    O membro mais antigo da família a que eu cheguei, rastreando registros de óbitos, casamentos, batismos e nascimentos foi Giovanni Sarti meu tetravô (tataravô). No site do FamilySearch descobri que ele foi casado com Cattarina Romanieri. Um dos filhos do casal foi Giuseppe Sarti, meu trisavó. Seu filho foi Giacomo Sarti, meu bisavô, que emigrou da Itália para o Brasil. Giuseppe Sarti e Luigia Munari moravam em Castelguglielmo quando Giacomo Sarti nasceu no dia 29/11/1864. Na lista di leva de Giacomo Sarti indica que ele nasceu nesta cidade, pois ali consta que a ‘comune de inscrizione’ é Castelguglielmo. Foi lá também que nasceu Ângela Sarti, sua irmã em 28/12/1873. Giuseppe Sarti residia em Castelguglielmo na Via Ramina Campagnola, 98A, mesma casa onde Luigia Munari morreu em 1874, quinze dias depois de dar à luz a Ângela Sarti.

A cidade de Castelguglielmo

Em 1871 começaram a registrar sistematicamente os números de habitantes em Castelguglielmo. Nesta ocasião havia 3.052 habitantes, mas em janeiro de 2019 tinha apenas 1.539 habitantes com uma densidade populacional de 76,8 habitantes por quilometro quadrado. Está localizada no Vêneto, nordeste da Itália, na província de Rovigo, e os municípios que fazem fronteira imediata são: Bagnolo di Pó, Canda, Fiesso Umbertiano, Lendinara, Pincara e  San Bellino. Fica a 78 km de Veneza e 63 km de Verona, e sua economia é principalmente agrícola, com presença limitada de atividades artesanais e pequenas indústrias. A igreja principal da cidade é La Chiesa di San Nicola da Bari e entre os eventos culturais da cidade estão a feira da vila que acontece na primeira semana de agosto, a feira da primavera (primeiro domingo de abril) e o mercado de antiguidades todo primeiro domingo do mês. 

      Castelguglielmo está situada na área geográfica denominada Alto Polésine, com clima subtropical úmido. Esta área estava condicionada a presença de um trecho do antigo rio Pó di Ádria, conhecido como Filistina ou Pestrina e a rota do rio Tártaro/Castagnaro/Canal Bianco. Esses rios não existem mais, e atualmente, um canal artificial chamado Tártaro-Canalbianco corta a cidade e segue em direção ao Mar Adriático. Fotos aéreas comparadas a documentos antigos comprovam que vários rios tiveram seus cursos mudados por causas naturais climatológicas ou pela ação do homem. Adicionalmente, os trabalhos de escavações arqueológicas na região, ajudam a contar a historia do passado. Foi assim que encontraram o leito do rio Pestrina, uma ramificação antiga do rio Pó, que deve ter sido enterrado progressivamente, a partir da Idade do Ferro. 

Passado Inglório

Por milhares de anos, os antigos rios da região corriam sinuosos, serpenteando os bancos de areia e suas margens de terra argilosa. Em alguns lugares, separavam-se para se encontrar novamente mais à frente, criando ilhotas. Em períodos chuvosos, mudavam seus cursos e leitos originais deixando para trás um território modificado. Com o tempo, alguns rios foram encobertos por sedimentos ou tiveram seus cursos alterados e charcos foram aterrados. Mas os vestígios dessa época estão nas ruas sinuosas de Castelguglielmo que, embora situada em território de superfície plana, evidenciam a existência, no passado distante, de tipos diferentes de ambientes: rios, áreas pantanosas e marcas de remoinhos e sinais de violentas inundações que ocorreram ao longo dos séculos. Mas quem foram seus primeiros habitantes?

Embora os assentamentos na Polésine sejam conhecidos desde a Idade do Bronze (3.300 - 700 a.C.), não há dados confiáveis ​​ nem registros arqueológicos sobre as origens dos primeiros assentamentos em Castelguglielmo. Talvez nem mesmo na época dos Romanos haviam assentamentos com habitantes naquele local. Os Romanos permaneceram na região do Vêneto por mais de 700 anos (aprox. 300 a.C. a 476 d.C). Neste período, construíram diques para represar rios, desviaram seus cursos, construíram estradas para facilitar o deslocamento dos seus exércitos e ergueram novas cidades a fim de facilitar o comércio e desenvolver a região. Era uma região fértil e muito cobiçada. Os Romanos aplicaram o sistema de centuriação à agricultura, uma forma de organizar as novas comunidades que se estabeleceram nos territórios conquistados ou adquiridos. Entretanto, os achados arqueológicos, desse período, indicam que grande parte dos vestígios de acomodação agrícola baseada no sistema ‘centuriato’ está no território municipal de Villadose e nas áreas municipais de Fiesso Umbertiano, Trecenta e Canda, mas não em Castelguglielmo.

No mapa arqueológico do Vêneto da época romana, os sítios arqueológicos aparecem perto das rotas fluviais localizados dentro dos territórios municipais de Canda e Bagnolo di Pó, claramente deslocados de onde hoje se encontra a cidade de Castelguglielmo. As descobertas desses sítios estão localizadas topograficamente na área entre o curso dos rios Tartaro/Castagnaro/Canalbianco e uma seção do leito antigo do rio Pó di Adria e o extinto Filistina/Pestrina. Portanto, os indícios mostram que havia assentamentos romanos em toda área ao redor, mas não no local onde hoje se encontra o município de Castelguglielmo. Desde a queda Império Romano Ocidental em 476 d.C, até por volta de 960, não há registros sobre assentamentos em Castelguglielmo. A área toda deve ter sido parte de um vasto pântano desde a inundação do rio Ádige em 589.  

O castelo

A primeira menção sobre uma vila habitada remonta ao século X, mas se refere a uma cidade chamada Villa Manegii, (pronuncia-se Manélhi) que provavelmente também inclui a vizinha San Bellino, distinguido por um castelo e uma igreja dedicada a San Nicolò (ou San Nicola da Bari). A referência está em um documento registrado por tabeliões, atestando que Ugo di Tuscia (Ugo de Toscana) fez uma doação de terras a L'abbazia della Vangadizza1 e que ela passaria a ter a posse de um castelo, ‘il Castrum Manegi”. Alguns estudiosos estabelecem que o ‘il Castrum Manegi’ (castelo Manegio) seria a tal fortaleza citada (Villa Maneggi). A pista está em outro documento. Ele informa que o  ‘il Castrum Manegi”, estava localizado em uma das margens do rio Tártaro. Alguns documentos e mapas oficiais de 1.200 e dos 1.300 atestam a presença do rio Tártaro. Um deles menciona a vila Maneggi e informa que “[o rio Tártaro] depois de ter feito uma percurso pelo Muro de Crocetta e de Poalto, assume a continuação no [castelo] Manegio”. Lembramos que o atual Canalbianco foi construído sobre o leito do antigo rio Tártaro.

Este castelo, ou vila fortificada, ficava certamente em uma área pantanosa, pois sabe-se que grande parte das vastas propriedades da abadia Vangadizza ficavam em terras pantanosas.  A abadia de Vangadizza se encontra hoje a cerca de 10 quilômetros de Castelguglielmo e entre 961 e 993, quando Ugo di Toscana fez as doações de terras aos monges beneditinos, a vila fazia parte delas. 

Por ser uma área inóspita e improdutiva, o castelo Manegio deve ter caído em ruínas. A próxima menção a um castelo naquele lugar é de 200 anos depois. Em 1146 Guglielmo degli Adelardi Marchesella, descendente da antiga família Adelardi (ou Marcheselli ou Marchesella), governador de Ferrara mandou construir um castelo sobre as ruínas do antigo castelo. Ao novo castelo, foi dado o nome de Castel Guglielmo, em sua homenagem. O local onde foi construído o Castel Guglielmo, ao lado do rio Tártaro, era passagem obrigatório entre Ferrara, província de Emília-Romana e a República de Veneza, dois centros políticos, econômicos e culturais importantes na época. Castelguiglielmo dista aproximadamente 30 quilômetros de Ferrara e 100 quilômetros de Veneza e eram ligadas por rios e canais navegáveis.

Muito provavelmente, o que se chamava de castelo, era na verdade uma torre simbólica, construída apenas para indicar um lugar estratégico, com uma vila de casas feitas de madeira, cobertas com palha. A vila era provavelmente protegida por um aterro e paliçada, cerca feita com estacas apontadas e fincadas na terra. Não há desenhos do castelo Guglielmo, mas os desenhos das vilas em mapas históricos do século XVI, XVII e XVIII são representados dessa forma. Outro documento encontrado nos arquivos de Veneza dá detalhes sobre como deveria ser o castelo, incluindo medidas e fala sobre um muro feito de alvenaria. Esta muralha de defesa deve ter sido construída em um período posterior.

A Cidade no tempo

Entre 1152 e 1172 inundações desastrosas interromperam o curso do rio Pó e destruiu cidades como Ficarolo, aproximadamente 13 quilômetros de Castelguglielmo, o que deve ter afetado toda a região. Havia também disputa de poder na região e o castelo, como simbolo estratégico, passou de mão em mão. Em 1174 foi dos Adelardi e Giocoli para Torello Salinguerra, depois para Obizzo V e posteriormente reconquistada por Salinguera de Ferrara.  Com o casamento de Azzo VI d’Este com o ultimo herdeiro dos Adelardi, a longa luta, que se estendia desde o século XIII pelo controle do poder de Ferrara, teve fim e a família Este passou a ter o controle sobre toda a região da Polénise. O castelo, provavelmente danificado, foi reconstruído novamente e permaneceu nas mãos da família Este até 1395, quando, junto com a maior parte da Polésine, foi cedido como penhora a República de Veneza.

Entretanto há indicações de que a vila fortificada começou a ser abandonada já no século XIV. Um documento de janeiro de 1366 descreve o território em situação de abandono. Documentos de arquivos públicos  indicam que  aquelas terras, onde hoje está o município de Castelguglielmo,  eram um pântano improdutivo com plantas e bosques espinhosos e sujeitas à inundação. Um ato elaborado pelo notário Bonalbergo de Gerardino de Gregorii em 15 de fevereiro de 1334, em Ferrara, informa que Lorenzo fu Berbardo Spazzanave vendeu para Riccobono (Confalonieri) de Fratta [Polésine] um sitio, local arável, no distrito de Ferrara, ao fundo de Castelguglielmo localizado em Villa Nova. Esta notícia leva os historiadores a pensar que novas terras próximas ao castelo começaram a ser colonizadas.

Entre 1349, ano após a peste negra na Europa, e 1351/1353, Giovanni Boccaccio escreveu uma coleção de cem história  chamada de Decameron. Castelguglielmo é mencionado brevemente no Decameron, na segunda novela, segundo dia. Na história, o personagem Rinaldo d'Asti é roubado; surge em Castel Guglielmo, onde uma viúva o hospeda. Ressarcido de seus prejuízos, retorna, são e salvo, à sua casa. E assim, Castelguglielmo entra para a Literatura.

Rinaldo d'Asti and the Widow Lady, Second Day, Second Story. Illustration for The Decameron of Giovanni Boccaccio (Navarre Society, 1921).

Em 1405 o castelo e sua vila passou para as mãos de Francesco Novello de Pádua e depois novamente para a família Este. Desde 1465 a família Este, os novos governantes, começaram a construir diques ao longo dos rios Pó e Ádige elevando suas margens. As coisas começaram a mudar em Castelguglielmo com os trabalhos de intervenção e recuperação nas áreas alagadas da região do Polésine. Um documento elaborado pelo notário Cristóforo Rosino, em 17 de fevereiro de 1466  mostra que já há atividades econômicas importantes no local. Trata-se da venda de metade de um moinho com três plataformas, localizados no "canal Castelguglielmo".

O Canalbianco

Neste período, definiu-se que seria construído um canal artificial tendo como base e referencia o curso do Tártaro-Castagnaro. O trabalho envolve aterros, escavações e retificação. Em 1473 os trabalhadores alcançaram a Fossa di Polesella. Tal escavação deixou o centro de Castelguglielmo, onde ficava o castelo, à direita e algumas de suas terras (Orobona, Mora) à esquerda. O canal melhorou as condições de drenagem na área favorecendo a recuperação de terras importantes. Em 1483, Castelguglielmo está novamente sob o domínio veneziano.

Documentos públicos importante do século XVI (dezembro 1532) mantidos nos Arquivos do Estado de Venezia, sobre o território, a comunidade e os recursos de Castelguglielmo, fornecem dados significativos de avaliação da terra, da floresta de Canda e o castelo. Um documento, que buscava justificar o nascimento da vila de Canda, cujo território faz fronteira com Castelguglielmo, mostra que as terras não eram mais uma área pantanosa, com mata fechada e quase desabitada. As descrições dos lugares foram comparados com mapas históricos da época e indicam que as fronteiras do bosque de Canda (floresta Canda), está localizado inteiramente no território de Castelguglielmo, destacando ainda mais a nova situação hidrográfica criada com o desvio do rio Tártaro. Famílias nobres foram favorecido pela concessão de feudos ou isenções de impostos e privilégios. As áreas em questão ainda mantêm hoje o topônimo (nomes) da família como os Prisciani e Bentivoglio. Baseado no que vimos até aqui, podemos afirmar que a estrutura territorial de Castelguglielmo começará a assumir o aspecto atual nos anos 1500.

A burocracia e espera de assinaturas de acordos atrasavam o termino da construção do Canalbianco. Somente em 1784 foi assinado um acordo entre os A República de Veneza e os Estados papais para a drenagem da cidade de Stienta, o que incluia a restauração do Canalbianco.  Mas as inundações subsequentes ainda continuaram acentuando a situação de crise do sistema de drenagem. Em 1882 as águas do rio Ádige invadiram os leitos dos rios Tartaro-Canalbianco, atravessou as margens à direita, inundando por sete meses, os 37 municípios entre o rio Pó e o Canalbianco. Somados aos problemas de guerra e os efeitos da Revolução Industrial, ja mencionados anteriormente, um dos resultados foi o início das emigração dos cidadãos do Vêneto para a América.

Vimos que Giuseppe Sarti e Lugia Munari moravam no território de Castelguglielmo quando nasceu Giacomo Sarti em 1864 também em 1873 quando nasceu Ângela Sarti, e em 1874 quando morreu Luigia Munari. É bem provável que toda a família sofreu as consequências deste período de inundações em 1882, que afetou a rotina de vida e trabalho dos camponeses e dos moradores da cidade de Castelguglielmo e de toda a região. Giacomo e seu primo Abramo tinham respectivamente 18 e 17 anos de idade. 

A Ponte              

Ate 1855 o Canalbianco era atravessado por uma ponte apoiada sobre balsas. Naquele ano foi construída a nova ponte, com quatro arcos, leve, elegante, sólida o suficiente para a passagem de qualquer peso. Mas a ponte não durou nem dez anos, pois em 24 de junho de 1863 foi destruída pelas tropas austríacas em retirada, enquanto perseguidas pelas tropas italianas na terceira guerra de independência. Isso pode ser atestado em notas dos registro de falecimentos do Arquivo Paroquial. Outro documento que também se refere ao destino de outras pontes sobre o Canalbianco diz que “na manhã de 9 de julho de 1866, uma ponte temporária foi reconstruída para permitir que as tropas italianas atravessassem o canal e continuassem a libertação do Veneto dos austríacos”. No entanto, a ponte temporária se mostrou insuficiente e insegura; portanto, outra de madeira foi construída sobre as ruínas da antiga. Foi aberto ao público em 4 de agosto. A estrutura foi então modernizada nos anos seguintes, e o piso foi totalmente refeito. Em setembro de 1882, com o alagamento do rio Àdige, foi despejado uma quantidade enorme de água no Canalbianco e a ponte de madeira desabou sob a pressão do dilúvio. Finalmente, em 14 de julho de 1885, começaram as obras de uma nova ponte de alvenaria. Entretanto esta ponte foi bombardeadas durante a última guerra em abril de 1945. Parte dela foi recuperada durante obras de escavações e agora podem ser vistas na via Magenta e no jardim da família Boraso, onde foram depositados. 


Local, habitantes e o tempo

Boa parte das informações que encontrei sobre Castelguglielmo foram confrontadas com as informações contidas no livro “Comune di Castelguglielmo,Luoghi, gli abitanti e i tempo 2009” e está disponível online no site oficial da cidade. Alguns pesquisadores e escritores escreveram artigos baseados nos registros oficiais de nascimentos, casamento e óbitos dos anos 1600 e dá um panorama de como era a vida na cidade na Idade Média. Embora seja um período anterior ao nascimento de Giacomo, vale a pena lembrar que na segunda metade do século XIX, a maioria das pessoas no Vêneto ainda vivia de forma similar aquele período sob o sistema feudal. Vou destacar aqui os pontos que me chamaram atenção.

Nomes, nascimentos e batizados

Sob o título Noti di Storia e di cronaca – Dal registro dei battezzati 3 a autora Alessandra Pizzo fez um estudo sobre os habitantes e seus costumes baseado em um documento único onde foram registrados os nascimentos e batizados entre 1612 a 1631. Ela teve o cuidado de elencar os sobrenomes de famílias que estavam presentes no território de Castelguglielmo naquele período, mas cujos sobrenomes não aparecem em documentos posteriores. Eram provavelmente famílias sem endereço fixo como pastores, operários e ambulantes cujos filhos nasceram na cidade e depois emigraram para outras províncias. Outra possibilidade, segundo ela, trata-se de sobrenomes que desapareceram porque as famílias não tiveram descendentes. Chamou-me a atenção o nome Sarto Ieronimo e Zulia, provavelmente um casal.  Abaixo deixo transcrito o parágrafo em italiano com os sobrenomes que começam com a letra S:

“Prima di dare un elenco dei cognomi presenti nel territorio di Castelguglielmo negli anni 1612-1631 è bene fare una panoramica sui cognomi che sono presenti una sola volta, questo dovuto probabilmente al fatto che non avessero stanziamento fisso (pastori, prestatori d’opera, ambulanti…), oppure famiglie che avevano precedentemente dimora, ma che si apprestavano ad emigrare altrove, perché chiamate da parenti già trasferiti, o al contrario perché appena stanziati oppure famiglie che stavano estinguendosi per essere venuto a mancare uno dei due componenti della coppia; le famiglie sono: (...)

Rusio Gasparo e Santa, Sabadino, Augustino e Zoanna, Sagia Francesco e Maria , Sambinello Daniele e Angela, Sansovino Battista e Medea, Santo Jacobo e Caterina, di Santi Francesco e Francesca, Santorio Domenico e Mathia, Sambonini Hercole e Fiora, Saraggia Bartolomeo e Maria, Sarto Ieronimo e Zulia, Scanalla Santin e Logretia, Scarlatino Agostino e Zoanna, Secchiero Augustino e Paula, Squagino Anzelo e Malgarita, Stefano Z. Maria e Malgarita, Stomain Antonio e Zulia, Stroppa Bartolomeo e Paula, Stegagno Domenego e Paula, Suise Antonio e Francesca, di Tassi Franceschin e Catarina, Tasso Paolo e Cattarina, (...)"

Obituários

Através dos documentos e registros feitos pelos párocos, padres responsáveis pelas paróquias, é possível saber as causas de óbitos mais comuns, incluindo as doenças que causavam óbitos no período coberto. Os registros consultados, mesmo incompletos ainda permitem ilustrar uma imagem significativa da comunidade de Castelguglielmo nos séculos XVII e XVIII.

        Por exemplo, os registros destacam que, nos séculos considerados, houve uma alta taxa de mortalidade de pessoas com 21 anos de idade.4 Em caso de morte súbita após o parto, o batismo era feito pela "comare" (parteira) e o corpo era enterrado nas próximas 24 horas. Havia quatro setores funerários: os bebês batizados eram enterrados no cemitério de Pargoli, os adultos no cemitério de adultos, os não-batizados em um setor reservado para eles. Os benfeitores, cidadãos que faziam doações e ajudavam a igreja e comunidade, geralmente nobres ricos e poderosos, seus familiares e membros das irmandades eram enterrados na igreja.

        Há uma grande incidência de óbitos nos meses de julho, agosto e setembro,5 interessante considerando que são meses de temperaturas quentes e amenas nesses meses do ano, mas os motivos  dessas mortes não foram anotadas nos registros consultados. A partir de 1709, começam a anotar a causa mortis e os motivos são atribuídos a várias doenças como febre maligna, dor no peito, asma, catarro excessivo também com incidência maior nos meses de julho, agosto e setembro. A partir de 31/03/1728, a maternidade passa a ser registrada ao lado da paternidade do falecido, um elemento adicional aos dados pessoais. 

    Voltando um pouco, de 1645 a 1679, são registrados apenas mortes causadas por violência, especialmente as causadas por tiros de arcabuzes, uma antiga arma6 de fogo. É interessante listar essas mortes para se ter uma ideia mais precisa da disseminação do fenômeno. Muitas mortes ocorriam acidentalmente quando as armas eram carregadas. Entre as mortes causadas por acidentes são registrados afogamentos no Canalbianco, principalmente nos meses mais quentes do ano, raios e incêndios. Nos registros é indicado que as pessoas que morriam por causa de acidentes, não se confessaram, indicando a importância que se dava a esse sacramento que envolve o perdão dos pecados. 

       Há muitos documentos, como relatórios oficiais, que atestam o fato de que entre 1550 e cerca de 1850 houve fases de piora climática, com anos de neve pesada e chuvas, com decréscimos temperaturas sazonais médias. Alguns anos são particularmente negativos como 1624 e 1628, distinguidos pelas inundações frequentes e escassez de colheitas. Esse período é conhecido pelo termo Pequena Idade do Gelo7. O período mais chuvoso foi entre 1590 e 1630, e os mais frios e úmidos 1690 e 1715. Por isso há muitas mortes causadas por infecções pulmonares (pleurisia, asma), febre maligna (provavelmente relacionadas ao fato do território ser pantanoso), catarro (muitas vezes se observou que o real motivo era morte súbita). Também há indicação de petéquias (pequena lesão das mucosas ou da pele, de cor avermelhada, ou sangramento cutâneo manifestado em doenças infecciosas como a febre tifóide). Ainda é digno de nota referências a tuberculose em 1684 (Ethisia morbo oppressus), a peste 8 em 1695 (morbo pestimo) e à varíola em 1683.

         O suicídio também encontra espaço nas mortes por doenças. De fato, nos registros, às vezes encontramos pessoas que cometeram suicídio por causa de doenças mais curtas ou mais longas. Em março de 1737 Carlo Guiana, 50 anos, depois de um mês de febre confinado ao leito, se confessou e depois se jogou em um poço. Finalmente, o alto número de mortes em 1796 é impressionante, sendo 73% crianças com menos de 10 anos. A causa da morte é geralmente indicada como febre generalizada e sugere uma epidemia que não está bem especificado. Interessante que não ha menção da pelagra (pellagra) uma doença comum na época, que será abordada com detalhes mais à frente. 

Igreja e a Escola

Mas a vida da antiga comunidade de Castelguglielmo não girava apenas em torno de doenças, mortes, enterros e missas póstumas. Havia muita atividade na praça Vitorio Vêneto onde está localizada a igreja de São Nicolau.9 Havia feiras onde os agricultores vendiam seus produtos, e festas profanas populares e religiosas onde a maioria dos habitantes se encontravam. 

A igreja de São Nicolau, datada provavelmente de 1078, foi reconstruída e ampliada desde 1603. Aparentemente, até 1520 a igreja de S. Nicolau era uma filial de La chiesa di Santa Margherita  (igreja de S. Margherita) de S. Bellino, e foi também erigida pela família Prisciani.  Somente em 1604 foi elevada a uma igreja arquisacerdotal, com a separação de S. Bellino. O reitor era Don Angelo Ricerio de 30 anos. Os mapas do tempo nos mostram que a igreja estava orientada de leste a oeste, e os documentos confirmam que era muito pequena e insuficiente para acomodar os fiéis então numerosos. A igreja atual parece, portanto, ter sido construída em tempos posteriores a 1603. Outro centro cultural religioso fora do centro do município é a igreja de santa Margarida, construída em 1708. A igreja de Santa Margherita é um edifício de culto católico localizado em San Bellino, na aldeia de Presciane e é dedicado a Santa Margherita di Antioquia. Uma primeira capela, em homenagem a santa foi construída em 1078 e sobreviveu incólume ao período tempestuoso das inundações do rio Pó. A partir de 1371, estava no centro de uma disputa entre o abade de Vangadizza, Antonio del Ferro e o município de Ferrara por questão territorial. No século XV, outro evento de inundação, causado pelos rios Castagnaro e Malopera, comprometeu as obras de recuperação. Prisciani, um agricultor proprietário de terras, de Borso d'Este, restaurou essas áreas e recebeu terras como presente por seu trabalho. A fazenda foi chamada de Le Prisciane em sua homenagem dando assim o nome à atual aldeia Presciane. A igreja de Santa Margherita, em evidente estado de abandono, foi reconstruída no século XV por esta família, que obteve seu patrocínio. Nestas duas igrejas, além dos cultos rotineiros, aconteciam também os casamentos, batizados, enterros e missas póstumas. Eram assim locais onde os membros da comunidade se encontravam com frequência. Outra igreja é a Parrocchia di S. Gerardo Sagredo na Via Umbertiana, em Bressane Sud, Castelguglielmo.

Se Giacomo Sarti nasceu em novembro de 1864, ele teria sete anos em novembro de 1871. Esta era a idade ideal para começar a frequentar a escola e aprender a ler e escrever. A escola municipal de Castelguglielmo teve início durante o domínio Napoleônico entre 1807 a 1808, segundo o Archivio Comunale, Registro dell’Istruzione. O documento escolar mais antigo remonta a 1821, portanto quando o território de Castelguglielmo, que fazia parte da região da Lombardia-Veneto, estava sob a administração do Império Austro-Húngaro dos Habsburgos, o que ocorreu a partir de 1815, após o Congresso de Viena. O documento de 1821 é um relatório de exame e descreve a escola, o professor e os alunos. A escola funciona em uma sala localizada dentro da prefeitura, o professor é o padre Don Giovanni Ferlini. O inspetor da escola também é padre e os alunos são poucos e mal preparados. O documento informa que os numerosos e negligentes alunos frequentam as aulas ocasionalmente, a sala de aula tinha espaço insuficiente, equipamento inadequado e aquecimento ruim.

Em uma petição de 1846, algumas famílias de Bressane, uma espécie de bairro da cidade, solicitaram o estabelecimento de uma segunda escola naquela área, distante do centro de Castelguglielmo. No documento de dezembro de 1846, os abaixo-assinados pediam a criação de uma segunda escola menor ao lado da barchetta alle Bressane. Um dos solicitantes explicava que era muito importante para ele e seus colegas educarem seus filhos, que se encontravam “em grande ignorância” porque não podiam frequentar as escolas primárias do município. As dificuldades das crianças em acessar a escola na área municipal deviam-se à falta de uma conexão viária adequada. O passe da ‘barchetta’ sugere que havia uma balsa para atravessar o rio, ou talvez o transporte de Bressane até o centro de Castelguglielmo era feito em um barco. O barco não era adequado para o transporte de alunos, especialmente no inverno, quando a frequência escolar era mais constante, pois as crianças não precisavam ir trabalhar nos campos como acontece na “bela estação” (primavera e verão). A escola em Bressane só foi fundada 20 anos depois, em 1868, após o plebiscito de anexação ao Reino da Itália. A lei de Coppino (1877) impõe a obrigação de comparecimento à escola por pelo menos três anos, mas a dispersão escolar é muito alta e poucos alunos concluem um ciclo completo e eficaz de estudos.

Podemos concluir que se Giacomo Sarti e seu primo Abramo Sarti nao estavam entre os alunos que frequentaram essas escolas, pois, pelo menos os documentos de Giacomo informa que ele era analfabeto. Apesar de haver duas escolas na cidade em 1871, Giacomo não frequentou a escola. É bem possível que isso ocorreu porque desde cedo ajudava seu pai a trabalhar nos campos. Mas pode ser também pelo fato da escola ser longe do local onde moravam, ou devido as condições climáticas desfavoráveis, ou ainda porque sua família não via necessidade, ou não entendiam como a educação poderia ser uma porta de saída da vida de carência para uma de prosperidade, sem contar o quanto a leitura pode abrir as portas da mente para a cultura e o conhecimento e incontáveis possibilidades.

Outras cidades: Bagnolo di Po

Não tenho informações sobre Giovanni Sarti e Cattarina Romanieri, meus tetravós, mas encontrei o registro de óbito de um filho deles chamado Francesco Sarti que faleceu em 1899 em Bagnolo de Pó, Rovigo, cidade vizinha a Castelguglielmo. Um filho de Francesco, chamado Antonio Sarti também faleceu em Bagnolo di Pó aos 24 anos de idade em 1883.  Aparentemente, alguns membros da família Sarti moravam e viviam nesta cidade vizinha. Na próxima postagem conheceremos as cidades cujos nomes aparecem nos documentos dos membros da família que emigraram da Itália para o Brasil. 

Fontes e Referências:

  1. A origem do topônimo Vangadizza é incerta. Entre as etimologias mais populares, afirmam que Vangadizza derivasse da pá (vanga em italiano), já que os territórios governados e as vastas propriedades da abadia eram em grande parte terras pantanosas e, portanto, precisavam trabalhar com a pá antes de se tornar produtivo. A última doação feita pela signora Franca já viúva; foi uma provisão de 6 de dezembro de 954. O documento informa que a basílica de Santa Maria, localizada perto do Adige, na localidade de "Vedre", acabara de ser reconstruída (atualmente ela está no municipio de Badia Polenise). Pouco se sabe da a igreja anterior e mais modesta. Ugo di Toscana fez outras doações, com o apoio dos reis da Itália Berengario II e Adalberto: na doação de 30 de maio de 961 cita pela primeira vez um abade e na doação de 29 de maio de 993 cita um mosteiro beneditino em construção.  Em 25 de abril de 1810, a basílica de Santa Maria della Vangadizza, em estilo românico-gótico, foi fechada e começaram os trabalhos de demolição, que pararam quando estavam quase concluídos. Foram preservados apenas uma capela e uma torre.
  2. Boccaccio é um dos grandes expoentes do Renascimento na Itália, ao lado de Dante Alighieri e Francesco Petrarca. Contrariando a receita que usava temas religiosos e figuras divinas na literatura da época, Decameron é mundano, retratas aventuras mundanas e casos do cotidiano. O livro foi adapatdado ao cinema pelo diretor Pier Paolo Pasolini em 1971.
  3. Comune di Castelguglielmo, Luoghi, gli abitanti e i tempo 2009 - p 66 (Notas de História e crônicas – dos registros de batizados)
  4. O primeiro registro consultado refere-se aos falecido entre 1645 a 1656. São registradas 1120 óbitos e o pico de mortalidade é atingido em 1649, com 137 mortes e 126 em 1650. Os registros destacam que, nos séculos considerados, houve uma alta taxa de mortalidade de pessoas com 21 anos de idade; em particular, em 1665, 48 de um total de 71 mortes.
  5. Nos registros de óbito de 1665 a 1696, dos 3433 mortos; a maior mortalidade pertence ao ano de 1666, com 173 mortes nos meses de julio, agosto e setembro, e em 1678 com 178 mortes com alta incidencia de óbitos em setembro.
  6. Arcabuzes - vulgarmente chamada de espingarda, uma antiga arma de fogo, portátil, de cano curto e largo, que em sua origem era disparada quando apoiada numa forquilha, criada no século XV
  7. A Pequena Idade do Gelo (PIG) não é um fenômeno global, mas significaria um período de baixa glacial marcado por uma expansão das geleiras, na era moderna, entre os séculos XIII e XIX, particularmente na França. O PIG é um período de clima frio que ocorreu na Europa e América do Norte a partir dos anos 1300 até a década de 1850 embora não esteja bem definido em suas flutuações. http://www.astronoo.com/pt/artigos/pequena-idade-do-gelo.html
  8. As pestes referem-se a doenças infectocontagiosas que se manifestam sob a forma bubônica, pulmonar ou septicêmica, provocada por Bacillus pestis, que é transmitido ao homem pela pulga do rato.
Outras Fontes:
  1.          Comune di Castelguglielmo, Luoghi, gli abitanti e i tempo2009 - p. 40 – Disponível para download
  2.          Comuni italiani.it - http://www.comuni-italiani.it/029/011/clima.html
  3.       MACEDO, José Rivair. Viver nas cidades medievais. São Paulo. Ed. Moderna. 1999. Pp 69-83. 
  4.       Video - Castelguglielmo - Piccola Grande Italia 






Comentários

  1. Agradeço pela postagem. Meu tetravô nasceu em Castelguglielmo em 1873 e me encanta muito ler e entender um pouco mais sobre ela! Espero ter o prazer de conhecê-la algum dia.

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