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16 - Emigrar – Por quê?

Durante toda a história da humanidade, os camponeses era uma classe de pessoas sofrida, cuja força de trabalho era explorada por uma pequena classe dominante que embora necessitassem deles, os desprezavam. Mas eram seres humanos que ansiavam por dias melhores. O escritor Yuval Harari no seu livro Sapiens – Uma breve história da humanidade resume para nós:

Infelizmente, mesmo trabalhando duro, os camponeses quase nunca alcançaram a segurança econômica futura que tanto ansiavam. Em toda parte, brotaram governantes e elites, vivendo do excedente dos camponeses e deixando-os com o mínimo para a subsistência.  Esses excedentes de alimento confiscados alimentaram a política, a guerra, a arte e a filosofia. Construíram palácios, fortes, monumentos e templos. Até o fim da era moderna, mas de 90% dos humanos eram camponeses que se levantavam todas as manhãs para trabalhar a terra com o suor da fronte. Os excedentes que produziam alimentavam a ínfima minoria das elites – reis, oficiais do governo, soldados, padres, artistas e pensadores – , que enchem os livros de história. A história é o que algumas poucas pessoas fizeram enquanto todas as outras estavam arando campos e carregando baldes de água. (Harari pp 143, 144)1

Assim foi antes e durante o tempo dos Romanos, durante a Idade Média e sob o domínio de Napoleão e dos Austríacos. No século XIX, os camponeses do Vêneto seguiam vivendo sem conforto ao lado de animais em estribarias e comendo porções mínimas de polenta todos os dias com rotina de trabalho árduo e prolongado e a incerteza própria da agricultura, à mercê de seca, dilúvios, geadas e invernos rigorosos. Trabalhavam exaustivamente para produzir mais do que consumiam para que pudessem acumular reservas para o inverno, pois sem grãos no silo, azeite no porão, queijo na despensa e linguiças penduradas nas vigas do telhado, passariam fome. Com sorte, sobreviveriam as doenças do inverno ou a morte pela febre maligna (doenças contagiosas), ou ainda os ataques dos soldados austríacos nos quase setenta anos de domínio. 

Apesar dos poucos momentos de alegria com a família e amigos, no geral, o período entre 1825-1900 foi um momento histórico importante, mas ainda mais difícil na vida dos italianos que viveram naquela época. Outros fatores como grave crise econômica e social somaram-se aos mencionados acima. Um olhar mais de perto nos ajuda a sentir como foram difíceis aquele período do século XIX para os moradores do Vêneto, especialmente os camponeses, e que a emigração não foi uma simples opção. Eles foram praticamente obrigados a isso.  

O escritor Edmondo De Amicis, deixou registrado que a maioria dos imigrantes ‘era obrigada a emigrar’ por causa da fome, depois de se debater inutilmente, anos a fio, nas garras da miséria. Havia também os trabalhadores sazonais, que com a mulher e os filhos pequenos, se matavam de trabalhar e não conseguiam ganhar quinhentas liras por ano. Os debulhadores de arroz do sul da Lombardia, ganhavam uma lira por dia, trabalhando sob sol escaldante, na água lodosa que os envenenava, sentindo a febre nos ossos, para sobreviver de polenta, de pão mofado e de toucinho rançoso. Os camponeses da região de Pavia, Lombardia, para se vestir e comprar os instrumentos de trabalho hipotecavam os próprios braços, e sem poder trabalhar o suficiente para pagar a dívida, renovavam o contrato ao final de cada ano tornando-se praticamente escravos. Para o autor, era uma ‘escravidão faminta e sem esperança, de onde não tem outra saída a não ser a fuga ou a morte.’ Os lavradores da Basilicata, ao sul, andavam até nove quilômetros para chegar ao local de trabalho, carregando os apetrechos nas costas, e dormiam com o porco e o burro no chão batido, em casebres horríveis sem lareira, iluminados por pedaços de madeira resinosa, sem saborear um pedaço de carne o ano inteiro, a não ser quando um de seus animais morria por acidente. 

Em seu livro Em Alto mar, De Amicis descrevia a vida dos emigrantes da terceira classe de um navio, e o motivo que os levou a emigrar. A maior parte era de camponeses e no navio, durante a travessia, o assunto predominante nas conversas era o triste estado da classe agrícola na Itália, a excessiva concorrência de trabalhadores, que favorecia os proprietários e os arrendadores; os parcos salários; os mantimentos caros; as taxas abusivas; as estações do ano em que não havia trabalho; os anos de colheitas ruins; os patrões ávidos; a total falta de esperança de melhorar a própria situação. “Eram relatos de miséria, de falcatruas e de injustiças.”

Os três primeiros minutos do vídeo Veneti in Brasile - Storie dell`emigrazioneitaliana  mostra que o período entre 1870 e 1900 é de grave crise econômica e social na Itália causados por dois fatores: o alto crescimento populacional e o acelerado processo de industrialização, que afetaram diretamente as oportunidades de emprego naquele continente.4 Em uma cena do filme 1900 (Novecento, 1976)5 dois garotos, de cima de um celeiro olham longe e dizem ver a cidade distante, enxergam os campanários e as chaminés das fábricas. A Revolução Industrial, um tanto tardia, na Itália gerava essa disputa entre as torres das igrejas e as chaminés das fábricas. Em outra cena do mesmo filme, vemos chegar uma debulhadeira mecânica ao campo para substituir o trabalho braçal. Um dos camponeses diz: “Ela faz o trabalho de seis homens.” As máquinas chegam para substituir os braços dos camponeses, consequentemente eles se vêm expulsos das terras e das casas. 

Restam a eles ir para a cidade. Entretanto, muitos eram analfabetos e não sabiam fazer nada além de arar a terra e pastorear ovelhas e gado. Os trabalhadores eram os que recebiam os piores salários na Europa, trabalhavam longas horas diárias e não tinham assistência social. Era um período de muitos protestos, greves e insurreições. Ao mesmo tempo, as doutrinas anarquistas e socialistas tumultuavam os grandes centros urbanos. Segundo De Amicis estes camponeses morando na cidade ficavam longe da família, dormiam em cima de sacos de palha, dentro de vãos escavados nas paredes de cavernas escuras sob os pingos da chuva e o sopro do vento. Os pequenos proprietários de terras, que não conseguiam pagar os pesados impostos, se viram reduzidos a uma condição pior que aquela dos proletários, tornaram-se moradores de choupana, em condição miserável sem as mínimas condições de higiene. 2

Sem condições de continuar no campo e sem acolhimento nas cidades, restava apenas partir e tentar a sorte em outro lugar. Desta forma, a maioria vendia o pouco que tinham, despediam-se dos amigos e família, e entravam nos navios, fugindo ‘desesperados’. De Amicis comenta a tensão emocional e o desalento revelado nos rostos e corpos dos viajantes:

“dúvidas e amarguras dos últimos dias de sua vida doméstica, ocupados que estavam com a venda das vacas e daquele palmo de terra, em discussões árduas com o patrão e com o pároco, e em despedidas dolorosas. (...) No desespero de sair da miséria, muitos entravam nos navios, tendo em seus bolsos, contratos desastrosos, firmados com especuladores que fareja o desespero nos casebres, e os compram, em quantos teriam sido arrolados por outros embusteiros ao chegar, e explorados de forma tirânica durante anos. Era possível ver que homens, outrora fortes, eram agora magros e talvez carregassem no sangue uma doença que os mataria, mesmo depois da chegada no novo mundo.” 2

O resultado era, cada vez mais, pessoas partindo aos montes em navios abarrotados da Itália para outros países da Europa ou para a América (Estados Unidos, Argentina, Uruguai e Brasil).  No final do século XIX, a Itália, embora politicamente unida, permanecia um país socialmente dividido onde os ricos continuavam ricos e os pobres cada vez mais pobres, e os camponeses eram explorados pelos latifundiários. Para muitos, atravessar o oceano em busca de novos horizontes era a única alternativa. 7

Os membros das famílias Sarti, Feltrin e Tiozzo, sendo camponeses, também tiveram suas vidas afetadas pela guerra e provavelmente sofreram com os saques dos soldados austríacos, e as consequências das pontes e estradas destruídas. Viviam sob o domínio do medo e terror. Além da guerra, havia fatores naturais, econômicos e sociais que os impediam de levar uma vida estável. Havia as inundações, como a de 1882 do rio Ádige que destruíam as plantações e impediam as colheitas, levando à carência de alimentos. Eles tinham que lidar com as doenças comuns da época e a falta de acesso a médicos e remédios. Basta lembrar que Luigia Munari morreu depois de duas semanas após o parto de Ângela Sarti. Os pesados impostos e as consideráveis ​​dificuldades econômicas resultavam em greves no campo e na cidade causando incerteza. Os camponeses eram pessoas simples, mantidos na ignorância pelas elites políticas e religiosas dominantes. Eram simples peões em uma peça de tabuleiro que podiam ser descartados para salvar o bispo ou o rei. Como resultado, eles engrossaram o grupo de emigrantes que a partir de 1888 se tornaria ainda mais intensa.

Eles decidem emigrar

Podemos dizer que assim como um imã, havia uma força de repulsão em que a Itália repele os camponeses, mas ao mesmo tempo uma força de atração, em que a América do Sul atrai esses mesmos camponeses, como materiais ferromagnéticos. De forma mais específica, ao mesmo tempo em que todos os eventos mencionados expulsavam os camponeses do Vêneto (ao norte do equador), havia paralelamente outro movimento que os atraia para o Brasil, a Argentina e o Uruguai, (ao sul do equador). Vamos tentar entender visualizando isso: 

Por volta de 1888, um camponês, membro de nossa família, enquanto passava em frente a igreja, na praça principal de Castelguglielmo ou talvez San Belino, vê um grupo de pessoas rodearem dois homens bem vestidos. Aqueles homens discursam em voz alta sobre as vantagens de emigrarem para o Brasil. Eles eram ‘propagandistas’ e falavam em nome do Imperador Brasileiro, D. Pedro II. 

O assunto não é novo, afinal de contas, desde 1870 já havia muitos camponeses do Vêneto partindo para a América, mas pela primeira vez, ele ouve e vê um propagandista. Desde 1875 o governo brasileiro tinha uma parceria  com o governo italiano oficializando a vinda de imigrantes para o Brasil. E a Lei Crispi de 1888, legalizava as atividades destes agenciadores de imigrantes que já agiam mesmo antes disso. Esses propagandistas eram agenciadores imigrantes, cuja função era convencer os camponeses italianos a emigrarem. Em seus discursos eles primeiramente lembravam os camponeses da vida de desalento que levavam: fome, pelagra, trabalho exaustivo, impostos pesados, e depois contrastava com uma vida de fartura no Brasil. Nas fazendas de café, teriam emprego, salário, e um pedaço de terra para cultivar, casa para morar e o Imperador Brasileiro até mesmo pagaria a passagem de Genova até a América. Exageravam nos pontos positivos usando adjetivos grandiosos, escondendo ou minimizando os pontos negativos.

Mas o que realmente estava acontecendo? Qual era o interesse por trás disso? Desde junho de 1887, D. Pedro II, o Imperador do Brasil estava na Europa em busca de cuidados médicos e descanso. O soberano adoecera em 1887 e também em inícios de 1888. Alguns jornais brasileiros alegavam que ele fugia das questões políticas que assolavam o país, outros, que estava apenas enfermo. Foi por esse motivo que a Princesa Isabel, sua filha, no dia 13/05/1888 assinou a lei Áurea que libertava os escravos. A Lei redimiu 700 mil escravos que representavam, a essas alturas, um número pequeno no total da população geral, estimada em 15 milhões de pessoas. 

O texto da Lei Áurea era curto e direto: “É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil. Revogam-se as disposições em contrário”. No mesmo dia enviam um telegrama ao imperador, mas a imperatriz, sua mulher, resolveu ler o telegrama só depois de a saúde do monarca ter sido considerada satisfatória. No dia 23/5/1888, o Imperador Brasileiro estava em Milão, quando tomou conhecimento da nova situação. (SCHWARCZ p. 311) Há uns 230 quilômetros de Milão, por volta do mesmo dia, os camponeses da família Sarti, Viaro e Donegá estavam partindo de Castelguiglielmo ou San Belino para Gênova de onde seguiriam para o Brasil.

Obviamente a decisão de partirem para a América do Sul se deu antes da assinatura da Lei Áurea. Acontece que a busca de imigrantes europeus começara antes de 1888, conforme trataremos mais à frente. O fim da escravidão no Brasil trouxe consequências que precisavam ser resolvidas de forma urgente. Mas mesmo antes do fim da escravidão, faltava mão de obra para o trabalho nas fazendas de café que era naquela época o principal produto de exportação brasileiro. Era urgente resolver este problema, por isso foi feito uma série de esforços para atrair imigrantes, sobretudo europeus, para o Brasil. O problema é que o Brasil contava com a concorrência de outros países como Argentina, Cuba, México e Estados Unidos da América. O governo brasileiro teve que caprichar na propaganda para vender a ideia de que o Brasil era um paraíso na terra. Esse contingente de imigrantes era destinado ao campo, à formação de núcleos coloniais oficiais nos estados do Sul e principalmente às fazendas de café na Região Sudeste. 9

Será que deu certo? Podemos afirmar que sim, pois enganados por aquela propaganda ilusória, poloneses, alemães, espanhóis, italianos, portugueses e, mais tarde, japoneses foram tomados por uma febre imigratória. O mito de terra abundante dos trópicos, onde ‘tudo que se planta dá’ casou-se bem com uma Europa que precisa se livrar de sua população pobre e seus pequenos proprietários endividados. No Brasil, eles poderiam ganhar dinheiro e mandar para a Itália e pagar suas dívidas. Por fim, o considerável aumento populacional em escala mundial, colocava à disposição grandes grupos de camponeses desempregados.  Isto combinado com a melhoria dos transportes (trens e navios a vapor) acabou por expulsar cerca de 50 milhões de europeus do continente de origem. Buscavam a desejada “liberdade” na forma de emprego e a propriedade de terras.  

Os emigrantes que vinham para o Brasil tinham duas escolhas. Em um primeiro momento, os agenciadores recrutavam imigrantes para povoar a parte do Sul do Brasil, principalmente o Rio Grande do Sul que era praticamente despovoada. Ofereciam terra gratuita com escritura e casa pronta para cada família, comida gratuita durante o primeiro ano, sementes até a primeira safra e ferramentas adequadas ao trabalho. Ao chegarem aqui, descobriam que não eram exatamente gratuitas. No Sul do Brasil, foi instalado um modelo de imigração baseado em pequenas propriedades policultoras. Tanto nos núcleos do governo como nos particulares, a terra era vendida a prazo, em lotes de vinte a 25 hectares geralmente distribuídos ao longo de cursos de água. Tinham muitos anos para trabalhar e pagarem por elas o que facilitava muito. Entretanto, as propriedades eram muito isoladas e extremamente distantes de centros urbanos e vilas habitadas.  Os novos habitantes estariam sujeitos a adversidades como ataques de indígenas, maus-tratos por parte da população local e dificuldade de comércio. Mas o sonho de poder ser dono de um pedaço de terra atraiu muitos imigrantes para essas áreas. Eram em geral, camponeses que tinha sido pequenos proprietários, mas perderam suas terras para credores ou o governo italiano. 

Havia ainda a opção de trabalhar como colonos nos cafezais, e em especial em São Paulo. O modelo que vingou foi o da imigração estrangeira subvencionada pelo Estado ou pelos fazendeiros paulistas, para o trabalho direto nas fazendas. Isto quer dizer que o governo e ou fazendeiros pagariam as despesas de viagem para os emigrantes. Aqui chegando, teriam trabalho assalariado e um lugar para morar. Esta opção era mais atrativa para os emigrantes europeus, principalmente aqueles que tinham família e não tinham dinheiro para comprar propriedades. Teriam a possibilidade de trabalhar, juntar dinheiro e anos depois, comprar um pedaço de terra para deixarem aos seus filhos. Descendentes de italianos que hoje moram em Jundiaí, Borborema, SP e outras cidades, proprietários de pequenos sítios e chácaras, são exemplo que para alguns deu certo. 

Assim, foram poucos os núcleos que prosperaram no Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina ou Paraná, enquanto a imigração que visava à cafeicultura se expandiu. Em São Paulo foi fundamental a ação do governo estatal. O governo da Província de São Paulo sofria muita pressão dos fazendeiros. Eles estavam desesperados por trabalhadores em suas fazendas. Por isso, na década de 1890 começaram a receber ajuda financeira da União para equilibrar o fluxo de trabalhadores com as necessidades crescentes da economia. Até 1900, o Governo Federal financiou de 63% a 80% da entrada de imigrantes.

Outro aliado dos agentes eram os padres. Muitos deles estimulavam os camponeses a emigrarem. Na missa de domingo diziam com veemência: “Meus irmãos, ide para a América! O que estão fazendo aqui? Não tendes comida para dar aos filhos, falta-vos terra, passais toda sorte de necessidades. Na America vocês terão uma vida melhor. O imperador brasileiro paga a viagem. Vocês irão trabalhar nas fazendas de café, terão casa para morar e comida para comer. No Brasil não falta comida. A terra é fértil e tudo o que se planta, a terra dá. No Brasil não tem inverno, faz sempre sol e calor. Seus filhos vão ter vida melhor. É a oportunidade de saírem da miséria, da penúria e da fome!” 10

Na saída da igreja, o povo comentava o sermão. Cada um dizia uma coisa. Alguns recebiam noticias ruins e desalentadoras dos parentes que tinham emigrados para a América. Diziam que há bugres, serpentes, tigres e mato selvagem. Ouvia que os patrões tratam os italianos como tratavam os escravos deles. Eu não queria essa vida pra mim! E se o imperador mente?

Vamos voltar então para aquele camponês, membro de minha família, que em 1888 ouviu aqueles dois propagandistas bem vestidos, discursando sobre as vantagens de emigrarem para o Brasil. Falavam do Brasil como ‘um paraíso’ com terra fértil, muitos rios, temperatura agradável mesmo no inverno, trabalho sobrando, passagem gratuita e com a garantia do Imperador Brasileiro. Com tantas promessas boas, o que fazer? Acreditar ou não?

Obviamente ele conversou com outros membros da família e também com o pároco da igreja. Era ele quem forneceria o atestado de boa conduta, exigido para obter o passaporte.  Conversou com os agentes que explicavam na língua deles e de forma simplificada como deveriam agir. Precisavam estar no Porto de Gênova uns dois dias antes da partida do navio.  A comprar das passagens de trem para Genova eram por conta dos camponeses. Em seguida obtiveram o passaporte com o síndico (prefeito). 10 Os agentes também orientavam como os emigrantes deviam proceder com a bagagem informando o que era permitido e o que era proibido levar. Deveriam obter uma caixa de madeira, tamanho padrão, para carregar a bagagem no navio. Deixaram claro que leis italianas não permitia que rapazes solteiros viajassem sozinhos, mas poderiam ser inclusos com outras famílias.

Eles compraram as promessas do Imperador Americano.  Bastava um camponês tomar coragem e decidir e logo muitos outros, contagiados pela febre da emigração decidiam fazer o mesmo.  E foi assim que a região do Vêneto foi desidratada de seus habitantes. A próxima etapa era avisar o patrão, a mulher (se fosse casado), vender os animais e tudo o que pudesse ser transformado em dinheiro. Alguns dispunham de uma pequena poupança ou antecipavam herança.  Outros vinham com a fé e coragem, outros já endividados. 

Giacomo e Abramo Sarti, os dois primos com 24 e 23 anos de idade decidiram ir para o Brasil para trabalhar nas plantações de café. Eles teriam passagem de graça de Gênova até o porto de Santos. Ao compararem a vida presente de adversidades com o futuro promissor, aliado ao gosto de aventura, não haveria escolha melhor. Iriam para a América! É desta forma que eu imagino Rosa Viaro, seu filho Abramo Sarti, o sobrinho Giacomo e os outros três membros da família seguindo de Castelguglielmo até o porto de Gênova de trem, e também os membros da família Feltrin e Tiozzo nos meses à frente. Eles deixaram o Vêneto na Itália em 1888, e embarcaram para o Brasil, logo depois da libertação dos escravos.  

A pior tragédia não é morrer, mas sim, viver sem esperança. Harari disse que “A história é o que algumas poucas pessoas fizeram enquanto todas as outras estavam arando campos e carregando baldes de água.”1 O que aqueles camponeses poderiam fazer para escrever sua própria história? Eles e seus antepassados tinham mudado o curso de rios poderosos como o Pó e o Ádige para tornar a terra ao redor arável e produtiva. Se assim o fizeram, poderiam também mudar o curso da história para as futuras gerações. Eles sobreviveram a guerra, inundações, inanição, invernos gelados e doenças mortais, portanto, não tinham nada a perder. Talvez ao fim da travessia do Oceano Atlântico eles finalmente encontrariam a segurança econômica futura que tanto ansiavam. 

Referencias e notas

  1. HARARI, Yuval Noah - Uma breve história da humanidade; tradução Janaína Marcoantonio. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2018. [Tradução de Sapiens – A Brief History of Humankind] pp74, 75
  2. DE AMICIS, Edmondo - Sull'Oceano – Tradução Adriana Marcolini -  pp 27, 49, 72
  3. História da Imigração Italiana -  Youtube: Veneti in Brasile - Storie dell`emigrazione italiana  https://www.youtube.com/watch?v=WUHyIdeW5ZI
  4. Novecento é um filme épico ítalo-francês de 1976, do gênero drama, dirigido por Bernardo Bertolucci, com fotografia de Vittorio Storaro e trilha sonora de Ennio Morricone. Foi filmado em Emília, na Itália.
  5. IACOCA, Ângelo - Retratos da imigração italiana no Brasil - Editora Brasileira de Arte e Cultura 2011.
  6. SCHWARCZ, Lilia M. e STARLING, Heloisa – Brasil: Uma biografia Companhia das Letras. . pp 323, p. 324
  7. BATTISTEL, Arlindo Itacir. Polenta e Liberdade: Saga de imigrantes italianos. Porto Alegre: Evangraf, 2016. - TONI REALIZA SEU SONHO pp 237, 238, 284 – 383
  8. História do Mundo - https://www.historiadomundo.com.br/idade-moderna/unificacao-italiana.htm
  9. Unificação Italiana - https://www.todamateria.com.br/unificacao-italiana/  
  10. Fotografias dos filmes L'Albero degli Zoccoli de Ermanno Olmi e Novecento (1900) de Bernardo Bertolucci.

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