Depois de ler sobre
as viagens de outros imigrantes, só nos resta imaginar como foram as viagens dos emigrantes Giacomo Sarti, Felice Feltrin e
Felici “Bon” Tiozzo que partiram do Vêneto em 1888 em direção ao Brasil. Mas o fato de que há muitas
coisas em comum nessas histórias, me leva a crer que a viagem do Navio La
France, Poito e os outros navios, tenham sido similares. Muito do que eu disser aqui sobre os membros de
nossa família são baseados nos documentos que encontrei dos navios em que
viajaram. Há também um pouco de especulação sempre com base em algumas
histórias que ouvi do meu pai.
A
viagem até Gênova
Giacomo Sarti
Giacomo Sarti viajou
em um grupo de seis pessoas. Além dele, estava sua tia viúva Rosa Viaro, seus
primos Abramo Sarti e Maria Sarti que era casada com Natale Donegá e tinham um
filho, Mário Donegá. Ao chegarem a Gênova, final de maio de 1888, a temperatura
era amena e agradável variando entre 15 e 21 graus centigrados.
Eles embarcaram no Vapour La France. O Vapor La France pertencia a empresa marítima Société Génerale de Tranports Maritimes. De nacionalidade francesa; com 3.811 toneladas; 130 m de comprimento; 11 m de largura e velocidade média de 12 nós (22,2 km/h). Foi lançado em 1870 e o estaleiro construtor foi a Forges et Chantier de la Mediterranée no porto La Seyne. Fez sua primeira viagem em 1871 com 1.054 passageiros sendo que 54 estavam na primeira classe e 1.000 na terceira. Foi demolido em 1895. A viagem duraria 22 dias.1 Como nosso grupo de imigrantes foram introduzidos pelo governo geral do Brasil, não pagaram pela passagem. Pode ser que a tia Rosa, Maria e o menino Mario de quatro anos foram acomodados no subterrâneo da embarcação, separadas dos três homens: Giacomo, Abramo e Natale. Um dia após partirem de Gênova, o navio fez uma escala em Marselha na França onde subiram passageiros franceses e espanhóis.
A maioria dos passageiros veio para trabalhar nas fazendas de café de São Paulo. O pequeno grupo que estava com Abramo Sarti partiam para trabalhar na fazenda de Henrique Dumont em Ribeirão Preto. Certamente havia muita expectativa de como seria a vida no Brasil e nesta fazenda! E se tudo o que sonharam fosse uma grande mentira, poderiam voltar para a Itália?
Giacomo
tinha vinte quatro anos, Abramo vinte três, Natale trinta e dois. Eram homens
jovens e fortes. Giacomo e Abramo certamente pensavam sobre como seria dali para
frente. Os dois primeiros iriam começar novas famílias enquanto Natale e Maria
teriam mais filhos. Os filhos deles ainda por vir, nascidos cidadãos
brasileiros, falariam a sua língua, mas também aprenderiam o português. Durante
a viagem, o grupo deve ter-se reunido e falado sobre suas expectativas e
receios. Para a tia Rosa, com seus sessenta e cinco anos de idade, a travessia
deve ter sido mais difícil e assim também seria para se adaptar a uma nova
vida. Mas a família, embora pequena, estava reunida e permaneceriam assim mesmo
no novo país. Eles não entendiam uma
única palavra de português, mas ao chegarem à Alfândega teriam a ajuda de
agentes e tradutores para falar com os oficiais e apresentar os documentos.
O
grupo desembarcou no porto de Santos no dia 28/06/1888. Era inverno, mas nada
comparado ao inverno em Castelguglielmo. No dia seguinte, 29 de junho o navio
atracou no porto do Rio de Janeiro levando uns poucos emigrantes que ficariam
por lá.
O
registro da pousada do imigrante informa que o nosso grupo chegou lá no dia
28/06/1888. Por isso eu deduzo que o navio passou em Santos no dia 28/06,
deixou a maioria dos passageiros imigrantes e depois voltou para o Rio de
Janeiro, talvez para pegar mais passageiros antes de seguir para Montevidéu. Depois
de desembarcarem em Santos, o grupo foi direcionado a um trem que os levou até
a pousada do imigrante, onde passariam a primeira noite em terras brasileiras.
Felice di Giovanni Feltrin
Era o quase fim de agosto de 1888, Felice di Giovanni Feltrin com 42 anos
de idade acompanhado da mulher Luigia Gabrieli 37 partiram definitivamente, com
sete filhos, da região do Vêneto, Itália para o Brasil. Passara seus 42 anos migrando
de um campo para outro na planície do rio Pó, de Frata-Polesine para Lendinara,
Ramadipalo e Rovigo. Primeiro com seu pai e avós, agora com seus sete filhos,
como camponês, provavelmente fazia trabalho sazonal, viviam uma vida de aperto
e incerteza. Depois de ver tantos
conterrâneos partir para o Brasil, ele decidiu: - “Vamos para a América. Eu morrerei trabalhando, mas meus filhos e netos
terão uma vida melhor.”
A sua filha mais velha Amabile estava com 16 anos de idade, Agostino com 13, Eugenio 12, Ângela 09, Concetta 7, Maria 4 e Antonia 1. Todos embarcaram em um trem, provavelmente em Rovigo e partiram até Gênova de onde embarcariam no Vapor Poitou. O Imperador Brasileiro pagou a passagem de toda a família até o Brasil.
O Vapor Poitou era um navio de 1.926 toneladas que
pertenceu também à companhia francesa SGTM Lines – Sociètè Generale du Transports Maritimes. Tinha 99 metros de
comprimento e 10,6 metros de largura. Tinha apenas uma chaminé, dois
mastros de vela e era construído em ferro com apenas uma hélice propulsora.
Dois motores invertidos davam a ele a velocidade de 10 nós (18,52 km/hora). 3
Onde será que aquelas nove pessoas ficaram hospedados em Gênova? Será que Felice teve dinheiro para pagar uma ou duas noites em uma hospedaria? Será que ficaram em um daqueles asilos que forneciam uma refeição diária e um local coberto onde eles podiam dormir sobre suas roupas e malas? Ou estavam eles entre a maioria que dormiram nas calçadas ou em uma praça sob uma árvore?
Se os Feltrin tiveram sorte, ficaram todos juntos em
uma cabine. Se não, podem ter sido separados e então eu imagino que Felice
ficou com Agostino e Eugênio no aposento masculino enquanto Luigia Gabrieli
ficou com as filhas Amabile, Ângela, Concetta, Maria e Antônia no aposento das
mulheres. Deve ter sido extremamente excitante, especialmente para os dois
garotos, Agostino e Eugênio, com 13 e 12 anos que pela primeira vez estavam
dentro de um navio. Saíram do camarote, acompanhados do pai, para espiar o
movimento no convés, viram a multidão de passageiros já embarcados, os
marinheiros retirando a escada, e depois ainda carregando caixotes, mantimentos
e outras mercadorias no portão do navio. No patamar superior, havia uma
multidão. Pessoas carregando malas, outros pacotes e trouxas. Havia gente
alegre, gente triste, gente rezando, gente maldizendo. Devem ter ficado no
convés até o navio partir.
Aparentemente, todos tinham que passar por uma tempestade assustadora, como uma espécie de ritual de passagem antes de chegar a América e é possível que isto tenha acontecido também com a família Feltrin. O Vapor Poitou era um navio que iria direto para o porto de Santos. À medida que o navio se aproximou do continente e viram a muralha de mata verde luxuriante que separa o litoral do planalto, os emigrantes devem ter tido a sensação que estavam chegando ao paraíso.
Felice
di Giovanni Feltrin, acompanhado de oito membros de sua família, desembarcou no
porto de Santos no dia 21/09/1888, praticamente três meses depois de Giacomo
Sarti. Era quase primavera. A primavera, em muitas culturas, é o momento
em que os camponeses pensam na fertilização do solo. Esse é também o período
que os animais utilizam suas fertilidades para
se reproduzirem. As flores que
ficaram reclusas durante todo o período de inverno, surgem. Por isso a primavera
simboliza recomeço. Seu destino final era a fazenda Dumont em Sertãozinho,
Ribeirão Preto. Foi lá que Amabile encontrou Giacomo Sarti e ambos começaram
uma nova família.
Felice “Bon”
Tiozzo
Felice ‘Bon’ Tiozzo
tinha sessenta e três anos quando deixou o Vêneto. Essa é a idade em que a
maioria das pessoas, hoje em dia, estão pensando em se aposentar, mas ele
estava partindo para trabalhar nos cafezais de São Paulo, Brasil e começar uma
vida nova em um pais com cultura diferente do seu. Sua mulher, Giovanna Tiozzo
tinha cinquenta e quatro e seus dois filhos, Carlo Tiozzo tinha dezesseis anos
e Luiggi, quatorze.
Depois de deixar Giacomo em Santos em 28/06/1888, o navio voltou para o Rio de Janeiro onde pegou mais passageiros e foi para Montevidéu e depois Buenos Aires. De lá, fez a viagem de retorno para a Itália para pegar mais passageiros e entre eles estavam a família Tiozzo em novembro de 1888. Isto não é imaginação minha, todos os fatos apontam para isso. Pode ter havido outra viagem entre essas duas.
Saindo
do porto, o vapor navegou pelo mar mediterrâneo, seguiu para o Golfo do Leão, até
atracaria no porto de Marselha. Depois de passar pelo estreito de Gibraltar, seguiu para o Brasil carregando mais
uma multidão de emigrantes, braços e mão de obra para as fazendas de café em São
Paulo e alguns passageiros para Montevidéu e Buenos Aires.
Em
seu diário de viagem, o escrito De Amicis menciona as ocasionais batalhas das
mulheres de Chioggia durante sua viagem. Imagino que a família Tiozzo tenha
presenciado uma delas. Giovanna entendia bem quando ouvia duas mulheres discutindo
sobre uma picaggietta (toalha), ou
quando as fofoqueiras de plantão contavam que existem ladras no navio dizendo: “Dixan Che gh’è de ladre!” ou chamavam
o marido da outra de mascarson
(patife).
Para os dois rapazes, Carlo e Luiggi tudo era novidade. Não havia preocupações! Viviam a aventura de cruzar o oceano atlântico e o sonho de conhecer o novo mundo. Carlo completaria dezessete anos no dia 13 de dezembro. Quantas coisas novas, interessantes e excitantes aconteciam na vida daquele jovem homem! Não demorou Carlos e Luiggi tinham amigos da mesma idade e pela primeira vez estavam livres da rotina forçada de levantar cedo, tirar leite de vacas amassando o barro misturado com merda de vaca na estribaria, e seguir o pai para trabalhar na lavoura. Com tempo livre de sobra dentro daquela arca flutuante, podiam dar-se ao luxo de gastá-lo fazendo coisas sem importância como admirar um cardume de golfinhos que às vezes aparecia e acompanhava o navio, ou simplesmente debruçarem-se no parapeito do navio e fixaram os olhos no mar. Podiam dar-se ao luxo de libertar-se de todas as obrigações e desfrutar o 'il dolce far niente', (a doçura de nada fazer), tão presente na cultura italiana hoje em dia, mas que naquela época era privilégio de poucos!
No
dia 13/12/1888 foi o aniversário de Carlo Tiozzo. Ele completou 17 anos de
idade. Não sei se naquela época era costume desejar ‘buon compleanno’ (feliz aniversário) as pessoas ou fazer festas. Felice,
seu pai aproveitou para abrir um garrafão de vinho para comemorarem. Talvez tenham
aproveitado a ocasião para se divertirem em uma noite de festa, comum entre os
italianos nos navios. Eles tocavam e cantavam músicas folclóricas italianas, batiam
palmas, riam e se divertiam.
Era o jeito divertido e alegre dos camponeses do Vêneto e de toda a Itália.
Felice
Tiozzo, acompanhado de sua mulhere e dois filhos, entre os quais Carlos Tiozzo
que agora com 17 anos, desembarcou no porto de Santos no dia 17/12/1888. Era
pleno verão. Logo depois de saírem do navio, entraram em um trem e seguiram de
Santos para São Paulo. Iriam pernoitar na Pousada do Imigrante no Brás. Lá na
pousada um funcionário escreveu no livro de desembarque 16, página 104 as
informações dos passageiros do Navio France e incluiu os nomes de Felice Tiozzo
(63) casado, Giovanna Tiozzo (54), Carlos Tiozzo (17) e Luiggi (14).
Felice
e sua família chegou ao Brasil quase seis meses depois de Giacomo Sarti e três
meses depois de Felice Feltrin. Seu destino final era a fazenda Dumont em
Sertãozinho, Ribeirão Preto. Mas o destino de Carlo Tiozzo era casar-se, ter
vários filhos e juntá-los aos filhos de Giacomo Sarti para criar uma grande
família. Mas isto ele não sabia ainda.
Fontes e Referências:
- O La France Veio de Marcelha, França, chegou ao Rio de Janeiro em 29/06/1888. O nome do capitão é Allemano. Havia passageiros na segunda e terceira classes. Não encontrei os nomes dos antenatos na lista. No final do livro, indica que ficaram 24 passageiros seguiriam para Montevidéu e Buenos Ayres. Deduzo que o navio passou em Santos primeiro deixou a maioria dos imigrantes e depois voltou para o Rio de Janeiro. No registro da pousada, indica que chegaram no dia 28/06/1888, um dia antes. Entretanto, não há registro no Arquivo Nacional dos navios em Santos antes de 1889.
- Vapor Poitou – Blog da família Floriani
- O blog da família Pollini é bem interessante para referencia da viagem, fotos, chegada da família e adaptação à vida na fazenda - Informações sobre o Vapor La France adquirido neste site.
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