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19 - Em terras brasileiras

O grupo de Giacomo Sarti e as famílias de Felice Feltrin e Felice Tiozzo, chegaram ao Brasil, entre junho e dezembro de 1888. Todos eles chegaram pelo porto de Santos. Portanto, foi ali que tiveram o primeiro contato com as terras brasileiras. Os imigrantes até então diziam que vinham para a América. Antes e durante a viagem, construíram uma imagem mental do Brasil baseados nas histórias que ouviram dos propagandistas e outros imigrantes a bordo do navio. Seria então na chegada que começariam a comparar aquelas informações com o que viam de fato. Haveria um longo percurso entre o porto de Santos e a fazenda Dumont, seu destino final. Passariam pela hospedaria no Brás, o trem cruzaria a cidade de São Paulo e boa parte do interior da província de São Paulo. Muitas daquelas imagens seriam reforçadas e outras substituídas durante todo aquele percurso. Para saber qual foi a primeira impressão que tiveram do novo país, tentei visualizar como era o porto e a cidade de Santos. Queria saber quais foram os passos dados entre o porto até a Pousada dos imigrantes no Brás. Teriam eles passado uma noite em Santos antes de seguir para o planalto Paulista? Como viajaram entre Santos e São Paulo? Quanto tempo levou esse percurso? Para responder estas perguntas, procurei informações sobre o porto, a cidade de Santos, a ferrovia e a hospedaria. 

Santos e o porto

A cidade de Santos desenvolveu-se pouco desde a sua fundação como Vila em 1546. Estava em uma planície encharcada, e os três ribeirões que a cortavam dificultava o aproveitamento do solo disponível. Chuvas e constantes enchentes causavam sucessivas ondas de epidemias que dizimava grande parte da população. Em 1860 Santos ainda conservava aspecto colonial com edificações sóbrias, que incluía um modesto porto, trapiches de madeira e caminhos simples ocupando o território. Segundo relatos de imigrantes, o porto de Santos era um plano enorme, alagadiço e cheio de juncos. Eles queixavam-se do cheiro horrível do charco e das picadas constantes dos mosquitos. Nessa época, o único melhoramento efetivo que a cidade teve foi a instalação de 60 lampiões de azeite e o início do serviço de água canalizada.

Depois de 1850, sendo o café o principal produto de exportação, o porto de Santos deixou de ser o exportador de açúcar para ser o porto do café. E passou também a ser a porta de entrada dos imigrantes europeus que vinham trabalhar nas fazendas de café na província de São Paulo. O numero de habitantes crescia com a vinda de imigrantes que ficavam na cidade. A maioria vinha por conta própria para trabalharem principalmente na reforma e ampliação do porto, iniciada na última década do século XIX. Outros eram arregimentados por contratadores de trabalho em suas regiões de origem: Alagoas, Sergipe, Bahia, etc. Em 1890 havia 13.012 habitantes, dezessete anos depois em 1907 eram 50.389.

A cidade cresceu ocupando as vastas áreas de planície que se estendiam dos morros até as praias. Foram construídos grandes hotéis na via costeira e estabelecimentos voltados ao lazer. A Companhia Docas iniciou uma política de saneamento da cidade, assim como em seu embelezamento tendo como modelo os princípios estéticos da École de Beaux-Arts francesa. Saturnino de Brito, um engenheiro politécnico, estava à cargo dos projetos de expansão urbana das cidades de Santos que aconteceu entre 1896 e 1910. 1

Antes da criação do porto organizado de Santos, o acesso às embarcações de longo curso, para embarque e desembarque de passageiros e mercadorias, era feito por trapiche. Eram pontes rústicas de madeira que entravam algumas dezenas de metros no estuário, alcançando o convés dos navios - que não podiam se aproximar mais das margens, com risco de encalharem no lodaçal. A implantação da ferrovia nas proximidades do porto a partir de 1860 significou o primeiro passo para transformação e modernização da cidade. As obras de ampliação e reforma do porto foram atribuídas à Companhia Docas.  Em 1869 foi demolido o Outeiro de Santa Catarina, local de fundação da cidade e seguiu-se a demolição de outros prédios coloniais para dar lugar a novos prédios, entre eles o prédio da Alfândega, inaugurado em 1880. As obras de ampliação e modernização do cais tiveram lugar na década de 1880, antes mesmo que igual providencia fosse adotada no porto do Rio de Janeiro.” 2 A Companhia Docas concluiu em 1892 os primeiros 260 metros do cais. Santos foi um dos principais portos brasileiros para o desembarque de imigrantes. Porém, a infraestrutura da cidade e suas atividades econômicas não comportavam o acolhimento destes indivíduos. Assim que desembarcavam, eles eram encaminhados a estação de trem e de lá eram  rapidamente distribuídos para o interior da província de São Paulo. 

Podemos concluir que aqueles imigrantes que desembarcaram no porto de Santos em 1888, encontraram um porto em reforma com grande tráfico e movimento de pessoas. Eles viram um vai e vem frenético de homens enfileirados, subindo e descendo as rapas dos navios carregando nas suas costas sacos de produtos, entre eles o de café. O porto estava em reforma, com o agitado trabalho de demolição e construção de novos edifícios e galpões.  Mesmo atarefados em deixar os navios, agarrados aos filhos e carregando malas e trochas de roupas, tiveram tempo para observar o espaço ao redor e sentir o cheiro e a temperatura do novo mundo. 

Tão logo desembarcavam, tiveram a ajuda de intérpretes para facilitar os trabalhos de conferência, documentação, controle médico-sanitário e de alfândega. Em seguida eram guiados até a Estação Valongo de Santos, construída nas proximidades do cais do porto santista e aberta em 1867 pela São Paulo Railway (SPR). Espremeram-se em um trem de passageiros que partiu em seguida. O trem seguiu lentamente através da ferrovia construída sobre uma planície pantanosa, atravessou nove pontes até atingir o sopé da serra do mar. Dali em diante, a locomotiva e os vagões tinham à sua frente uma ladeira íngreme de 762 metros de altitude e oito quilômetros de distância. Para subir a serra, o trem seria puxado por cabos de aço sobre a estrada de ferro que cortava a encosta da montanha. Se eles fizeram a viagem antes do anoitecer, através das janelas dos vagões viram à direita o paredão da serra do mar, às vezes escorados por muros e paredes de pedra, e à esquerda despenhadeiros profundos. A ferrovia ainda cruzaria pontes e viadutos construídos sobre precipícios assustadores.   Mas eles apreciariam também a paisagem exuberante das montanhas cobertas de mata atlântica verdejante com árvores carregadas de flores coloridas jamais vistas como o manacá da serra e a quaresmeira.  No alto da Serra, o trem pararia na estação Alto da Serra, na vila de Paranapiacaba, onde moravam muitos operários que trabalhavam para a Companhia São Paulo Railway. De lá seguiriam para a hospedaria no Brás.

O caminho da Serra e o trem

Em 1827 o escoamento de produtos como algodão, tabaco e açúcar e o café ainda era feito em lombo de burro e mulas ou em carroça até o porto de Santos pela calçada do Lorena, ou Caminho do Mar. A estrada era precária e a descida da serra guardava um risco constante de se perder a produção e mesmo parte das tropas.

Desde 1867, com o término da construção da São Paulo Railway (Estrada de Ferro Santos-Jundiaí), havia a ferrovia que levava as sacas de café de São Paulo para Santos, igualmente facilitava o transporte de imigrantes até o planalto. Entretanto, como o principal objetivo da ferrovia era o escoamento de mercadorias com vistas à exportação, no início, os passageiros não tinham muito conforto e as primeiras estações eram parecidas aos armazéns.

A estrada de ferro entre Santos e Jundiaí é dividida em três segmentos. Os primeiros vinte quilômetros ligavam o porto de Santos ao pé da serra atravessam uma planície pantanosa, frequentemente inundada, o que exigiu a construção de nove pontes. O segundo trecho, mais complexo, corresponde à subida da Serra do Mar, um contraforte rochoso, escarpado, com cobertura de floresta tropical, sujeito a índices de chuvas muito altos, onde seria necessário vencer um desnível de 762 m em apenas oito quilômetros. Foi um grande desafio transpor os obstáculos naturais e evitar deslizamentos. Para isso, foram efetuados numerosos cortes de terreno, aterros, muros de contenção, pontes e viadutos. Um deles, o viaduto da Grota Funda, estrutura de ferro com 214 m de extensão em curva, atingiu 48,8 m de altura, a maior obra de engenharia do Brasil na época. No terceiro segmento, que vai do topo da serra a Jundiaí, considerado de execução mais fácil, destaca-se a construção do único túnel do sistema, com 595m de extensão. 

O sistema eleito para vencer o forte declive de 762m da serra que, foi o sistema funicular. Nele, cabos de duas pontas – “tail-end” – são tracionados por máquinas fixas localizadas nos topos de quatro trechos de rampa. Um vagão a vapor especial, chamado de serra-breque, prende-se às extremidades dos cabos e a ele é acoplado um conjunto de vagões, formando “viagens” de até 60 toneladas que sobem e descem a serra em contrapeso, servindo-se de um único conjunto de trilhos. O cruzamento se realiza a meio do percurso, em um pequeno trecho de linha dupla, e as composições são desfeitas e recompostas no alto da serra, em Paranapiacaba, e no sopé da serra em Piassaguera. 3

Em 1887, dez anos depois de iniciar as operações, a São Paulo Railway transportava 230.000 toneladas de carga contra as 114.000 toneladas da Estrada de ferro D. Pedro II, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo e conta com uma extensão de linhas muito maior. Os lucros são altos e a companhia passa a investir em manutenção dispendiosa e sofisticada e a construir estação com estruturas de ferro, louças, instrumentos e até dormentes de pinho vindo da Grã-Bretanha. As locomotivas, os carros de passageiro e vagões de mercadorias são construídos e fornecidas por empresas Britânicas passando a ser chamada de ‘Inglesa’.

Pela Ferrovia e nesses vagões, os imigrantes viajavam do Porto de Santos até a Pousada dos Imigrantes no Brás. Eles desciam do trem em uma estação ao lado da Hospedaria dos imigrantes. Depois de uma breve permanência na Hospedaria, a grande maioria partia de trem para as cidades do interior da Província de São Paulo.  O trem seguia da cidade de São Paulo pela estrada da SPR, detentora do monopólio de ligação com o porto de Santos, até a cidade de Jundiaí.

Daí por diante, outras ferrovias foram também construídas, partindo ou de Jundiaí ou de Campinas, todas conhecidas como estradas de ferro do café (Ituana, Companhia Paulista, Companhia Mogiana) e entrosadas com a já então “São Paulo Railway”, que se achava estrategicamente localizada, um verdadeiro funil que monopolizava todo o transporte das áreas produtoras paulistas para o porto de Santos e vice-versa. 4

Em Jundiaí, os passageiros faziam baldeação e seguiam para cidades como Campinas, Rio Claro, e Ribeirão Preto, onde ficavam as grandes fazendas de café. No caminho de ida, eles cruzavam com os trens que vinham carregados de sacas de café e outros produtos para exportação em direção a capital de São Paulo.

Em 1888 a estação da Luz, era bem simples comparada a que conhecemos hoje.  Segundo Toledo, era um simples sobradinho cor de castanha, com um pátio que se abria para a estreita plataforma. Foi só em 17 de março de 1888, que foi proposta a execução de aumento da plataforma da estação de passageiros na Luz e respectiva cobertura, bem como a ampliação da edificação que passou a contar com dois pavimentos, com linhas neoclássicas, cobertura em ferro na entrada da edificação e sobre as plataformas. A nova estação foi inaugurada em março de 1901.

Na hospedaria

Quanto à hospedagem, entre 1830 e 1860, ou seja, durante 30 anos, os imigrantes eram alojados em abrigos ou hospedarias em Santos. Não havia um local especifico para esta finalidade. Devido às dificuldades de transporte até São Paulo, por causa da topografia acidentada entre o litoral e o planalto, aguardavam o melhor momento para subir a serra até o planalto onde se encontra a cidade de São Paulo. Depois da inauguração da ferrovia que ligava Santos a São Paulo, este problema foi resolvido. Assim que desembarcavam dos navios, os imigrantes eram levados diretamente para a Hospedaria do Brás.     

Em julho de 1886 iniciaram-se as obras da construção de Hospedaria de Imigrantes do Brás.  Acontece que em julho de 1887 houve um surto de varíola e difteria na Hospedaria do Bom Retiro, assim, mesmo inacabadas, a hospedaria do Brás recebeu a primeira leva de imigrantes. Naquele ano, recebeu 32.112 imigrantes. A hospedaria foi oficialmente inaugurada em 1888 e naquele ano recebeu três vezes mais imigrantes, 92.086. Entre eles estavam os Sarti, Feltrin e Tiozzo. O livro Hospedaria de Imigrantes: Estrutura e Funcionamento nos dá todas as informações que precisamos para entender como foram os dias desses imigrantes na hospedaria entre julho e dezembro de 1888.  5

O trem vindo de Santos parava em uma estação ao lado da hospedaria. Depois de deixarem o trem, os imigrantes seguiam para a Recepção. Ali mesmo começava a triagem e encaminhamento. A recepção, triagem e encaminhamento era o tripé que determinava a permanência dos imigrantes e trabalhadores nacionais na Hospedaria e seu posterior encaminhamento para as fazendas no interior do estado. Eles geralmente ficavam na hospedaria apenas duas noites. De acordo com os registros da Hospedaria, o tempo médio de permanência era de uma semana.

Recepção: Ao chegar a Hospedaria, o imigrante era encaminhado ao Salão de Chamadas onde, pelas listas e documentos que o acompanhavam, fazia-se a verificação de seu nome, idade, profissão, parentesco e constituição de família, e se estava ou não em condições de ser aceito. Após o registro, ele recebia o cartão de rancho para as refeições. Nele constavam o nome do vapor; nome e nacionalidade do imigrante; número de rações de alimento a que tinha direito e, eventualmente, e/ou sua família, segundo as respectivas idades.

Desinfecção: Logo em sua entrada, havia uma área dividida em dois compartimentos, destinada ao banho e a desinfecção de roupas, por onde passava o imigrante quando chegava. A Seção de Banhos era constituída de 31 banheiros e estufa para desinfecção de roupas. Cada banheiro com água quente e fria continha três compartimentos: um para o imigrante despir-se, outro para tomar banho, e o último para vestir-se com as roupa deixada no primeiro compartimento. O imigrante retirava-se por um corredor independente, não entrando em contato com os que ainda não tivessem passado pelo banho e pela desinfecção de roupas.

Vale lembrar aqui que nos navios em que os imigrantes viajavam, a água era racionada. Sobre a questão de higiene pessoal, De Amicis descreve os passageiros da terceira classe no final da viagem lavando-se às pressas e grosseiramente. Não queriam apresentar-se na America com um aspecto de pedintes imundos e selvagens. Eles penteavam com força a cabeleira que não vira um pente desde a partida do porto de Gênova. 6 Lilian Schuatz informa ‘que os italianos tomavam banho uma vez por semana.’ 7 Podemos imaginar como os funcionários da hospedaria viam e sentiam aqueles imigrantes! Muitos deles usavam a mesma roupa desde que partiram da Itália quase um mês antes. Se alguns poucos protestaram o banho forçado, foi para a grande maioria um momento de alivio e frescor.

Mas o banho era apenas a primeira etapa. Após esse procedimento, os imigrantes eram vacinados.8 Isto se fazia necessário, pois aquela era uma época marcada por grandes epidemias de varíola, tuberculose, tifo, cólera, entre outras. Depois de devidamente registrados, recebiam um cartão de rancho para as refeições.

No pavimento térreo do Edifício da Enfermaria funcionavam o consultório médico, a farmácia, a cozinha e a rouparia. No pavimento superior estavam situados os três dormitórios (da enfermaria), com camas higiênicas de ferro esmaltado (vinte leitos). Atendia apenas a casos de urgência; os doentes com maior gravidade eram removidos para a Santa Casa de Misericórdia ou para o Hospital de Isolamento. 9

As refeições eram servidas nos refeitórios que comportavam 80 mesas, cada uma com 10 lugares. Café e pão – 7 horas da manhã / Almoço – 11 horas da manhã / Jantar – 4 horas da tarde / Café e pão – 7 horas da noite. Leite para as crianças fracas ou menores de 3 anos. Pão e salame para a alimentação durante a viagem, na partida. A Hospedaria possuía também um restaurante pago, funcionando com aparelhos especiais a gás, conde os imigrantes que preferissem podiam ser servidos à vontade, pagando um preço módico, de acordo com tabela aprovada pelo governo.

No corpo central da Hospedaria, no primeiro andar, havia seis grandes dormitórios. Junto das paredes, as camas de ferro eram erguidas deixando espaço livre para a circulação. A parte central era dividida, por madeira, em pequenos quartos reservados às famílias. Tais divisões eram desmontáveis e tanto essas como as camas de ferro constituíam importantes inovações para a época. Toda roupa de cama era esterilizada por máquinas a vapor. Essas inovações foram introduzidas por Henrique Pereira Ribeiro, diretor substituto da Hospedaria, em agosto de 1906. Portanto os imigrantes que chegaram em 1888, não viram essas modernidades.

À esquerda, no edifício central, ficavam a lavanderia e os armazéns de bagagem, onde eram recolhidas as bagagens dos imigrantes, enviadas pela Alfândega de Santos, para serem examinados por um funcionário da Alfandega Federal. Da bagagem dos imigrantes, além de malas, faziam parte baús de folha, sacos, caixas, fardos, trouxas, volumes amarrados, cadeiras, camas de ferro e mesas. Entendia-se por bagagem de imigrantes que chegavam aos portos do Brasil: roupa usada, instrumentos e artigos de serviço e uso diário ou da profissão; baús, malas e sacos de viagem usados, joias reconhecidas como sendo de uso. Havia utensílios especialmente considerados como “bagagem do colono que viesse a se estabelecer no país”, tais como: barras, catres e camas, louça comum e usada; instrumentos oratórios ou de sua profissão e uma espingarda de caça para adulto. 10 Muitas dessas bagagens foram extraviadas ou perdidas. 

Os imigrantes eram devidamente informados sobre os procedimentos. Além dos tradutores, havia um regulamento interno, afixado em todas as dependências da Hospedaria e impresso em seis línguas. Na agência havia grandes quadros-negros, em que eram afixadas as ofertas dos fazendeiros e os lugares onde se podia encontrar colocação, com a indicação das respectivas distancias. Um mapa do estado de São Paulo servia para esclarecer melhor a situação dos locais de trabalho. No caso dos que vieram com contratos firmados, eram ajudados pelos agentes que davam assistência da hospedaria até a chegada às fazendas.

A Viagem para Ribeirão Preto

Vamos voltar a falar um pouco do trem. Depois da inauguração da SPR em 1867, com o inicio do funcionamento to trecho Santos-Jundiaí, um grupo de empreendedores paulistas partiu para a etapa seguinte. Em 1868, criaram a Companhia Paulista. Esses empreendedores eram todos grandes fazendeiros que dependiam do trem para escoar o café até o porto de Santos. Martinho (Martinico) Prato, de quem falaremos no capitulo 19, era um dos organizadores e dos primeiros diretores da empresa. A proposta era que à partir de Jundiai, dariam seguimento à estada ferroviária para outras cidades do Interior. O trecho Jundiaí-Campinas foi inaugurado em 1872. O café era transportado mais rápido e em maior volume até o porto de Santos, e as viagens de passageiros eram mais rápidas e confortáveis. Depois vieram outras Companhias – a Ituana (inaugurada em 1873), a Mogiana (1875), a Sorocabana (1879). 

No capítulo três de Terra Nostra (2:31-3:54) o agente (Roberto Bomfim) acompanha os imigrantes na viagem de trem até a fazenda. Ele fala maravilhas sobre o país novo que ‘escolheram’ para viver: “Olhem pela janela e vejam o verde em sua volta. É muita terra. Terra esperando para ser cultivada. Vocês logo verão os pés de café parados um ao lado do outro, como soldados. Eles são a riqueza deste país, e vocês vieram cuidar desta riqueza. Por isso, são recebidos de braços abertos!” Aparentemente, na novela, eles iriam para alguma fazenda na região de Campinas. Em seguida, chegam à estação e seguem a pé até a fazenda. As bagagens mais pesadas e algumas mulheres com os filhos nos colos seguem em carroças puxadas por até seis bois. A maioria dos homens caminha carregando suas tralhas, malas e as enxadas que irão usar para roçar o café. O agente segue à frente da procissão sentado em uma charrete puxada por um cavalo. Começa a falar um português macarrônico misturado com italiano para tentar se fazer entender. “Guarda” (olhe) “venne qui” (venha aqui). Mesmo sob o sol escaldante, as mulheres seguem com os lenços nas cabeças e os chales em volta dos ombros. Chegam à porteira da fazenda e entram na propriedade onde irão trabalhar. Vemos a casa grande e o cafezal à sua volta. Agora estavam diante de outro mar, um mar verde de arvores coberta de frutos vermelhos. 11

Depois de passarem uma ou duas noites na hospedaria dos imigrantes, os nossos imigrantes embarcaram para Ribeirão Preto e de lá para a fazenda Dumont. A fazenda encontrava-se em território de Ribeirão Preto situada a 315,4 km de distância, no noroeste do Estado de São Paulo. A viagem deles, da estação da Luz até Ribeirão Preto em um trem puxado por uma locomotiva à vapor, deve ter levado bem mais de 10 horas. Finalmente chegaram ao seu destino. A sede da fazenda ficava a mais de 21 km de distancia do centro de Ribeirão Preto. Não havia ainda o tronco ferroviário até a fazenda Dumont. Ela foi inaugurada apenas em 1890. 

Baseado nos artigos e textos que li, há relatos de imigrantes que depois de chegar a estação, passavam a noite no chão e seguiam para a fazenda no dia seguinte. Eles iam andavam quilômetros em caminhos de terra vermelha, respirando poeira, com dores nas pernas e boca seca sem água pra saciar a sede. As bagagens, as criancinhas e as senhoras grávidas iam de carreto, puxados por bois.

Em Terra Nostra os imigrantes foram levados para a antiga senzala. Nem comida para eles havia quando chegaram, mostrando a total falta de preparo antecipado para recebê-los. Mas este não foi o caso dos imigrantes de 1888. A fazenda Dumont estava preparada para receber os novos colonos italianos, conforme veremos em seguida.

Fontes e Referencias:

  1. ÁGUASURBANAS E URBANISMO NA PASSAGEM DO SÉCULO XIX AO XX: Saturnino de Brito - nilo de oliveira nascimento, jean-luc bertrand-krajewski, ana lúcia Britto – Disponível em PDF - Fonte:
  2. TOLEDO, Roberto Pompeu. A Capital da Solidão: Uma história de São Paulo das origens a 1900. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 363
  3. As máquinas fixas tracionavam os cabos de duas pontas, tail-end, presos em uma das extremidades a um vagão especial sem força motriz, o serra-breque, ao qual era acoplado um conjunto de vagões. As viagens assim compostas, que subiam e desciam concomitantemente para tirar proveito do contrapeso dos vagões, cruzavam-se em um único conjunto de três trilhos no meio percurso. As composições eram desfeitas e recompostas nos pátios das estações do Alto da Serra e da Raiz da Serra, já que os motores só comportavam conjuntos de até três vagões comuns mais o serra-breque, ou um peso máximo de 60 t. Nessas estações, cargas e passageiros esperavam a recomposição de trens funcionando no sistema de simples aderência, puxados por locomotivas a vapor, para seguir para seus destinos. Veja também: Youtube - Serra Breque – https://www.youtube.com/watch?v=CXuLfDtdhh4
  4. (Araújo Filho, id., p. 29) - [A MODERNIZAÇÃO DE SANTOS NO FINAL DO SÉCULO XIX - Gisele Homem de Mello]
  5. HISP – Hospedaria de imigrantes de São Paulo / Odair da Cruz Paiva, Soraya Moura – São Paulo: Paz e Terram 2008. Estrutura e Funcionamento – [PP 29-37]
  6. DE AMICIS, Edmondo (1846-1908). Em Alto Mar -  Tradução de Sull'Oceano de Adriana Marcolini. - Editora Nova Alexandria, 2017 - (pp 122, 264)
  7. SCHWARCZ, Lilia Moritz. Brasil: Uma biografia / Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling – 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 8 (p. 324) 
  8. HISP - p 32
  9. HISP - p 35
  10. HISP – pp 29- 37
  11. Terra Nostra – Telenovela da Rede Globo de televisão (20/09/1999 - 02/06/2000) - ) capítulo dois da telenovela brasileira mostra de forma dramática e romantizada a chegada desses imigrantes a São Paulo. Alguns detalhes parecem ser anacrônicos, ou seja, contraria a cronologia dos acontecimentos, mas ela consegue nos transportar para aquela época e dar uma boa visão de como foi a chegada deles ao Brasil.  Nela, há cenas que mostram os imigrantes deixando o navio no porto de Santos, apresentado os documentos aos oficiais e retirando as bagagens, depois seguiam até a estação, entravam no trem e faziam a viagem até São Paulo. 

Outras Fontes:

  1. http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao25/materia02/texto02.pdf) - Sociedade Promotora de Imigração.
  2. Hospedaria de imigrantes de São Paulo / Odair da Cruz Paiva, Soraya Moura – São Paulo: Paz e Terram 2008.
  3. Expansão cafeeira - http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71402015000300331
  4. A MODERNIZAÇÃO DE SANTOS NO FINAL DO SÉCULO XIX - Gisele Homem de Mello
  5. https://portogente.com.br/colunistas/laire-giraud/22164-antiga-sede-da-alfandega-de-santos-1880
  6. Youtube – Documentário - Os Canais de Santos https://www.youtube.com/watch?v=qnuasrjzIYE
  7. Estação de trem e Hospedaria. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142006000200020

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