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2 - Jogos e Enigmas

Ainda menino, eu perguntei ao meu pai: “De onde veio a família Sarti?” Sua resposta foi: “Da Itália!”. Isso eu já sabia, eu queria detalhes, mas o conhecimento limitado de História e Geografia também limitava as respostas dele e familiares. Não me conformava! “Como não sabiam algo tão simples?” Já adulto, juntei as poucas informações de familiares, pedi documentos em cartórios e com a ajuda da internet fui seguindo pistas. Parecia um jogo de “caça ao tesouro” com enigmas com charadas, quebra-cabeças, frases para serem decodificadas e enigmas com adivinhas para serem decifrados. Cada nova informação era uma pista para a próxima. Quando uma cortina era aberta, havia uma porta atrás para ser destrancada. 

A caminhada em busca da origem e história do meu bisavô paterno, Giacomo Sarti me conduziu às histórias de seu sogro Felice Feltrin e de Carlo Tiozzo, pai de minha avó paterna. Depois de descobrir que eram do Vêneto, estudei a formação do povo vêneto e sua relação com os rios, assim reaprendi conceitos hidrográficos, de Geografia, Paleontologia e períodos da História. Pesquisei a historia da unificação da Itália e as causas da imigração em massa. Revi conceitos de Economia que me ajudaram a compreender a importância do café na economia do Brasil e de São Paulo, as circunstâncias que levaram a libertação dos escravos no Brasil, a história da estrada ferroviária de Santos a Jundiaí, da fazenda Dumont e a relação com o aviador Alberto Santos Dumont. Por fim a formação das cidades no noroeste da capital paulista como Ribeirão Preto, Sertãozinho, Terra Roxa e Colina. Nesse processo, a fim de ir além das especulações, confirmei informações e segui lendo blogs, textos, artigos e livros. Entre eles alguns de Edmondo De Amicis, Antonio Cândido, Darcy Ribeiro. Também assisti a vídeos e ouvi Podcasts.  Percebi que todas as pessoas aqui envolvidas foram ao mesmo tempo atores e coadjuvantes, agentes passivos e ativos da História. Como no jogo de xadrez, os imigrantes eram peças de um jogo, simples peões, mas eram peças importantes sem as quais não haveria jogo. Eram manipulados e movidos no tabuleiro por jogadores poderosos como reis, imperadores, políticos, investidores, fazendeiros, cafeicultores, propagandistas e agentes religiosos que tinham uma agenda própria que os peões provavelmente ignoravam.

Meus antepassados não são personalidades importantes nem fazem parte do panteão de imigrantes que fizeram fortuna no Brasil construindo fábricas, comprando fazendas, nem se destacaram como políticos ou representantes de instituições particulares, públicas ou religiosas. Não há registros em livros, revistas ou jornais sobre eles e sendo analfabetos não deixaram cartas ou diários com suas histórias, pensamentos e registros de sentimentos. Foi então preciso buscar o fio condutor dessa historia em documentos, nos relatos de membros da família e na história de outras pessoas. Juntando as peças do quebra-cabeça e preenchendo as partes faltantes com a imaginação montei uma crônica familiar desses personagens que tiveram uma vida rica de atividades, histórias e experiências cuja cultura campesina italiana fundiu-se a cultura caipira de paulistana.

 Despretensiosamente, deixarei registrado aqui o máximo de informações que tenho dos meus antepassados e da História que se desenrolou em torno deles. Trata-se um registro primeiramente para descendentes de Giacomo Sarti, Felice Feltrin e Carlo Tiozzo, mas também para qualquer pessoa que tenha interesse em História e histórias. Talvez verão na história destas famílias um pouco da história de suas famílias e como fizeram parte do jogo da História.

Fotografia: The Chezz Game de Louis C Moeller


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