A República no Brasil - 1889
No dia 17 de novembro de 1889, a família real brasileira partiu do Brasil acompanhada por alguns poucos auto exilados. Eram 3 horas da madrugada de um domingo. Sai de cena o Imperador brasileiro, D. Pedro II e entra a República. Ás 3 horas da manhã do dia 16 de novembro, não uma delegação de altas patentes nem políticos tradicionais, mas oficiais subalternos comunicaram ao Imperador que eles tinham 24 horas para deixar o Brasil. No dia 15 de novembro de 1889, o Brasil foi declarado uma “República Federativa” e passou a chamar-se Estados Unidos do Brasil. Era o fim da monarquia e o inicio de um novo tempo! Será mesmo? Roberto Pompeu de Toledo, ao falar sobre o primeiro prefeito de São Paulo durante a República resume como seria: “até podiam existir um discurso novo e novas estruturas jurídicas, mas o estoque de homens novos, este, era escasso.”
Quem estava à frente da política nacional eram os
membros da mesma elite do tempo do Império, em especial os cafeicultores
paulista. O Partido Republicano teve inicio na convenção de Itú realizada em
abril de 1873. Segundo o escritor Roberto Pompeu de Toledo, havia 133 pessoas
presentes sendo 78 fazendeiros, “boa
parte da fina flor da elite paulista”, contra 55 de outras profissões. E
ele prossegue: “Já se vê que foi um
congraçamento, sobretudo interiorano e, mais que interiorano, cafeeiro.”
Dessa convenção até a proclamação da República, passaram-se dezesseis anos, mas
seria uma mudança inevitável. Toledo comenta a rápida e vertiginosa mudança da
Vila de São Paulo, com casas de taipas, em cidade moderna e progressista e
mostra que junto dela vinha a mudança política:
“Café, estrada
de ferro e imigração. Eis três fatores já de si suficientes para promover a
metamorfose de uva em vinho, de lagarta em borboleta, de taipa em pedra. Mas
houve mais. Não se ficou na explosão do café, a criar riqueza e engatar São
Paulo, a São Paulo província e a São Paulo cidade, na economia mundial. Não se
ficou no trem, a viabilizar a explosão da riqueza do café e a integrar, como
nenhuma outra, no Brasil, a província paulista em tono de si mesma e em torno
de sua capital. Nem se ficou na revolução de mão de obra e infusão de sangue
novo, representada pela imigração. Houve ainda uma mudança política, com a
quartelada encenada no Rio de Janeiro pelo marechal Deodoro da Fonseca, ao cabo
da qual se entendeu por proclamada a República.” 1
Os livros de História se encarregam de nos dar
detalhes sobre o dia 15/11/1889, mas eu tenho certeza que naquele mesmo dia, os
nossos heróis imigrantes estavam trabalhando na lavoura de café, ignorantes do
que estava acontecendo no mundo da política.
Giacomo
Sarti e Amabile Feltrin (1889 – 1909)
Um mês antes da proclamação da República, portanto ainda sob o Brasil
imperial, casaram-se Giacomo Sarti (25) e Amabile Feltrin (18). Foi no dia 05/10/1889
na Paróquia Metropolitana de São Sebastião de Ribeirão Preto, SP. O registro
está no livro n. 04, Folha 53, em nome de Jacomo Sarti e Feltrina Amabile. O
padre Bonifácio D’Alessandro, com licença do padre Francisco Jaber Zanardo
Moussa (Pároco), realizou a cerimônia. Pais: Jozé Jacomo e Luiza Munari, ela
filha de Zelice Amabile e Luiza Gabrieli. Amábile era sete anos mais nova que Giacomo
e o casamento foi feito apenas na igreja.
Um dado interessante é que a imposição do casamento civil no
Brasil é de 26 de junho de 1890, ou seja, foi posta em vigor depois do
casamento de Giacomo e Amabile. O Decreto
nº. 521 proibiu que se celebrasse matrimônio religioso antes da lavratura em assento de registro
civil do casamento. Impunha também pena de seis meses de prisão ao ministro de
culto (párocos católicos ou pastores protestantes) que infringissem tal norma. Quando
Carlo Tiozzo se casou em 14/11/1891, seu casamento foi registrado no
cartório de Ribeirão Preto, SP, conforme veremos mais abaixo. 3
O casal e suas famílias moravam na fazenda Dumont que
na época pertencia ao município de Sertãozinho, SP. Nesse registro mudaram a
grafia dos nomes dos noivos e de seus pais. Giacomo tornou-se Jacomo, Giuseppe
tornou-se José e Luigia tornou-se Luiza. Sem contar nos erros que faziam, erros mesmo, não dá para chamar de enganos. Giuseppe Sarti (Jozé Jacomo) e Feltrin (Feltrina).
Os noivos continuaram a morar na fazenda Dumont cujo
dono era Henrique Dumont, o pai do futuro aviador Alberto Santos Dumont. Acontece
que dois anos depois, em 1891, após um acidente que o deixou paraplégico, Henrique
Dumont, vendeu a fazenda para a Cia. Melhoramentos do Brasil. Três anos depois,
a fazenda foi vendida novamente, desta vez para um grupo de capitalistas ingleses,
que constituíram a “Dumont Coffee Company”. O nome do fundador foi
mantido por justa homenagem e pela projeção que este mantinha nos mercados
mundiais do café. Entre os imigrantes que ali trabalhavam estavam os Sarti,
como podemos observar em um documento da Plataforma Verri, descrito abaixo:
“Os ingleses constituíram a “Dumont Coffee Company”, que teve como sua
representante a Cia. Agrícola Fazenda Dumont, conservando o nome que já tinha
tradição no mercado. Os ingleses incrementaram a produção, trouxeram muitas
famílias de imigrantes italianos (Lorenzato, Rizzi, Sicchieri, Ortolan,
Guidoni, Rossanese, Cerri, Petri, Valocci, Monteschi, Selli, Brugnera,
Damico,Tonani, Cocarelli, Negri, Bettiol, Tovo, Carmine, Donegá, Bredariol,
Chinaglia, Nadaleto, Lovato, Zampirollo, Baccega, Bolsoni, Fábio, Polegato, Sarni,
Baratella, Zecchin, Giacomini, Dal Toso, Palmieri, Lunardelli, Benelli,
Pellegrini, Rissato, Rossini, Storto, De Russi, Ancheschi, Sarti, Magro,
Soldera, dentre outras), que trabalhavam no regime do
colonato, como artesãos ou produtores de alimentos.” 2
Giacomo e Amabile continuaram a morar na fazenda onde tiveram vários filhos. Em 14/11/1891 nasce Enricco Sarti (Henrique), primeiro filho do casal. O primeiro filho do casal tinha o nome do antigo patrão: Henrique. Na certidão de batismo consta como segue: “Aos seis de fevereiro de mil oitocentos e noventa e dois, na Mariz desta Parochia, baptisei solenemente a Henrique, nascido a quartorze de novembro do anno próximo findo, filho legítimo de Giacomo Sarti e de Amabile Feltrin, sendo padrinhos Garvani Henrique e Reali Iterina. Para constar mandei fazer o presente assento que firmo. O Padre João Antônio de Siqueira.” Em 06/02/1892 houve o batismo de Henrique Sarti. Ele tinha três meses e o batismo foi realizado pelo padre João Antonio de Siqueira na Paróquia Catedral de São Sebastião em Ribeirão Preto, sendo padrinhos Garvani Henrique e Reali Iterina.
Logo Henrique teria um irmãozinho. No dia 16/07/1893 nasce
às 14hs Bruno Sarti, o segundo filho de Giacomo Sarti e Amábile Feltrin. O
registro foi feito em Sertãozinho, SP e o declarante foi Giacomo Sarti, o pai.
Em 08/07/1894 nasce Linda Sarti, filha de Giacomo
Sarti e Amabile Feltrin. Em seu registro de nascimento constam os nomes dos avós
maternos: Giuseppe Sarti e Luigia Munari, já falecidos. Linda deve ter morrido
ainda criança, pois não há mais registro dela desde então e seu nome não consta
no documento de desembarque da família quando retornaram da Argentina em 1909.
Em 1895 Giacomo e Amabile tiveram seu terceiro filho
vivo. Era uma menina e a chamaram de Antonia Sarti. Dois anos depois, em março
de 1897 nasce a segunda menina do casal Luigia Sarti. O nome homenageava tanto
Luigia Munari quanto Luigia Feltrin, as duas avós dela. A garotinha não teve
muito tempo de vida. Em 28/12/1897 Luigia, com 10 meses faleceu de febre
perniciosa. Esta informação nunca foi comprovada com documentos. Ela é baseada em
uma correspondência enviado ao meu primo Bruno Sarti por um provável parente
nosso, mas não descarto a possibilidade de ser verdadeira pelo fato de que o
próximo filho do casal nasceu apenas em 1902. O intervalo entre os filhos eram
geralmente de dois anos.
1901 (Século XX)
Findou-se o século XIX e começa o século XX. Não era costume festejar a
virada do ano, nem do século como se faz hoje com queima de fogos e milhões de
pessoas espremidas em frente a palcos que apresentam shows de bandas musicais
com cantores e bailarinos. E se houve alguma, dificilmente teria alcançado os
rincões do estado de São Paulo e as colônias onde estavam os imigrantes e
trabalhadores das fazendas. As mudanças que ocorreram no mundo e em São Paulo
entre 1888 e 1900 continuavam na velocidade do trem sobre os trilhos.
Parafraseando Roberto Pompeu de Toledo, a cidade de São Paulo deixava de ser a
capital da solidão para se tornar a capital da vertigem. Levaria tempo para as
mudanças chegarem ao interior paulista, mas chegariam, seria uma questão de
tempo. Logo chegariam os tratores e caminhões, as máquinas para agilizar e
facilitar o trabalho nas fazendas. Haveria mudança na moda e nos costumes. Os
primeiros cinquenta anos do século 20 prometiam! Mas enquanto isso, os
imigrantes continuavam a trabalhar e a aumentar a família.
Em 1902 nasceu o quarto filho de Giacomo e Amabile,
seu nome era Ângela Sarti, conhecida como Angelina. Em 1903 nasceu o quinto
filho, Marcelo Sarti e no segundo semestre de 1904 nasce Maria Sarti, o sexto
filho do casal. Maria faleceu com 17 anos em março de 1921 em Viradouro, SP,
ainda solteira. Certamente uma grande tristeza para a família. As mortes eram
frequentes. Em janeiro de 1906 faleceu João Sarti (Giovanni) com apenas 2 meses.
Esta informação não é confirmada com documentação, apenas informação de um
parente.
Em 12/11/1906 o inventor Alberto Santos Dumont conquistou na França dois prêmios após realizar um voo de 220 metros em torno da Torre Eiffel em Paris. Ele o fez com o 14-bis, desenhado e construído por ele mesmo. A notícia ao chegar aos ouvidos dos trabalhadores e imigrantes que trabalhavam na fazenda Dumont, deve ter despertado curiosidade, lembranças e orgulho do menino que cresceu naquela fazenda!
No dia 28/04/1908 nasceu Ângelo Sarti, às 12 hs. Ele é o sétimo filho do casal Giacomo e Amabile. Ele foi registrado em Sertãozinho, SP e segundo a sua certidão de nascimento, assento lavrado em 3/5/1908 o declarante foi Tranquillo Pavan, talvez um dos administradores da fazenda Dumont. Ângelo Sarti é o meu avô paterno. O fato dele ter sido registrado em Sertãozinho, SP, indica que a família continuava morando na fazenda Dumont. Quando meu avô paterno Ângelo Sarti nasceu em 28/04/1908, Giacomo Sarti e Amabile Feltrin moravam ainda na região de Ribeirão Preto, provavelmente na fazenda Dumont. Interessante que em outubro de 1909, também na fazenda Dumont, nasceu Francelino Aurélio, meu avô materno que foi registrado e batizado em Sertãozinho, SP. A mãe dele, Amélia Gomes era imigrante portuguesa.
Assim foram os primeiros vinte anos da vida de
Giacomo Sarti e Amabile Feltrin. Chegaram ao Brasil no final de 1888 e em 1908
já estavam casados há 19 anos e tinham sete filhos vivos. Tiveram alegrias e
tristezas e observaram várias mudanças. Neste tempo o Brasil passou de Império
para República, apareceram novas máquinas para incrementar a produção nas
fazendas. Outras mudanças estavam por vir, mas daremos seguimento ao que
aconteceu com a família Sarti depois de 1909 no próximo capítulo. Neste íterim,
a família também crescia do lado dos Tiozzo.
Carlo Tiozzo
Carlo Tiozzo é o filho mais velho de Felice Tiozzo, um dos patriarcas que veio para o Brasil em 1888. Ele tinha 17 anos ao chegar ao Brasil. Três anos se passaram desde o desembarque e ele estava pronto para começar a sua família. Carlo Tiozzo, casou-se aos 20 anos de idade com Maria Antonia Boscarato (19), em Ribeirão Preto no dia 14/11/1891. Na cópia do documento da igreja, com grafia original lemos: “Aos quartorze de novembro de mil oitocentos e noventa e um, na Matriz d’esta parochia, depois de canonicamente proclamadas e cumpridas todas as diligências do estylo, sem que houvesse impedimentos em minhas presenças e das testemunhas Zampinelo Giacomo, e Crivilari Santo, se receberão em matrimônio na forma determinada pela Santa Madre Igreja, os contrahentes Tiozzo Carlos, Bom, e Maria Antonia Boscarata, freguezes nesta Parochia e naturais de Chioggia, província de Veneza na Itália, filho legítimo de Tiozzo Felice Bon, e Tiozzo Giovanna Bon, Ella com 19 anos de idade filha legitima de Boscarato [Franco ou Francesco] e Zanieli Euphemia. E para constar fiz o presente assento que firmo: Vigario Joaquim Antonio de Siqueira.”
O casamento no cartório onde foi feito o registro
civil foi feito na presença do primeiro juiz de paz Abdenago do Nascimento, às
10 e meia horas da manhã. As testemunhas foram Virgilio Prodossimo Guimarães e
Natali Espessotto. Aqui temos algumas informações adicionais sobre Carlo, a
certidão diz que ele era lavrador portanto, colono na fazenda Dumont. Maria
Antonia Boscarato tinha 20 anos, não 19 como na certidão da igreja, e ela não
sabia escrever.
Foram quase sete anos até o nascimento de João Tiozzo
em 1898, o primeiro filho do casal. Carlo tinha 27 anos de idade. Foram mais
sete anos até que em 05/10/1905 nascesse Dino Tiozzo, o segundo filho. Carlo
Tiozzo tinha então 34 anos. Seis anos depois, quando Carlo tinha 40 anos de
idade, no dia 03/01/1911 nasce Virginia Tiozzo em Sertãozinho, SP. Seu nome,
uma homenagem a virgem Maria, mas era também conhecida como Dirce. Seu batismo
foi no dia 28/01/1911 na paróquia de Sertãozinho, SP. Tiveram outros filhos,
Eugênia Tiozzo, Salvino Tiozzo e Maria Tiozzo, mas eu não tenho as datas dos
nascimentos deles. Pode ser que Maria Antônia perdeu um filho ou filhos antes
do nascimento de João Tiozzo e ou no intervalo entre os outros filhos,
natimortos ou mortos depois. Virginia Tiozzo é a mãe de Reinaldo Sarti, meu
pai. Segundo ele, CarloTiozzo e Antônia Boscarato tiveram oito filhos.
Não é possível dizer se a Giacomo Sarti e Carlo
Tiozzo se conheciam por ocasião do nascimento de Virginia Tiozzo em 1911. Não
consta que a família Tiozzo tenha ido para a Argentina na mesma época que o
Giacommo Sarti foi com sua família. Caso isso tivesse acontecido, a família
saberia e isso nunca foi comentado.
Mas o que levou Giacomo Sarti a mudar-se com toda a
família para a Argentina?
Notas e Referencias:
- TOLEDO, Roberto Pompeu. A Capital da Solidão: Uma história de São Paulo das origens a 1900. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p 441
- Dumont – http://www.plataformaverri.com.br/?local=voceSabia&mês =3&dia=21
- Registro Civil no Brasil - https://pt.wikipedia.org/wiki/Registro_civil_no_Brasil
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