O que a histórias de Giacomo Sarti e Reinaldo Sarti tem a ver com Abraão e Moisés da Bíblia, Napoleão Bonaparte e suas guerras e Revolução Industrial e Revolução Científica? E o que dizer de crises políticas, surtos de doenças, desastres ambientais? Como decisões sendo tomadas do outro lado do mudo, nas Américas do Norte e do Sul, na segunda metade do século XIX afetaram a vida de Giacomo Sarti lá na Península italiana?
A história da migração é tão antiga quanto o próprio homem. Segundo os historiadores, o Homo sapiens começou a emigrar há 190.000 anos na África Oriental, que é a parte da África banhada pelo Oceano Índico. Dali subiu para o norte do continente africano, atingiu o leste do Mediterrâneo em torno de 100.000 a 60.000 anos atrás, seguiu para a Ásia chegando até a China e daí para a Austrália. Por volta de 11.000 anos atrás, havia chegado ao sul do continente Americano. Na Bíblia, no livro de Gênesis, lemos também histórias de migração de pequenos grupos como as de Abraão, e seus filhos Isaque e Jacó e também sobre migração em massa, como a história do Êxodo, quando Moisés liderou os hebreus do Egito para a terra prometida, depois de atravessar o Mar Vermelho e vagar por quarenta anos pelo deserto. Eles buscavam a terra que manava leite e mel. Mas por que migrar?
O homem começou o processo migratório em busca de
caça, comida, e novos espaços. À medida que as famílias e os povoados iam
crescendo, começava a disputa pelo espaço e alimento. Alguns ficavam no local, geralmente
os que ganhavam a luta, outros partiam espontaneamente ou eram expulsos para
outras áreas. Através da História, entre os vários motivos que levavam indivíduos
ou grupos de indivíduos a emigrarem estão os desastres ambientais: seca, surtos de doenças graves, guerras,
perseguições políticas, religiosas, étnicas ou culturais, ou questões econômicas,
falta de trabalho em um local e melhor oferta de trabalho em outro.
Simplificando, os fatores que impulsionam as migrações são econômicos,
políticos e culturais. Houve vários surtos
migratórios durante toda a história da humanidade, mas vamos pular para um período
denominado ‘emigração em massa’ quando 60 milhões de europeus cruzaram o
oceano em direção a outros continentes.
Trata-se do período entre o fim das guerras napoleônicas, 1815 até a
depressão econômica mundial de 1930. Foi no meio deste período histórico, em
1888, que Giacomo Sarti e outros italianos do Vêneto emigraram para o Brasil.
O fim das guerras napoleônicas coincide com uma
revolução que ocorria na Europa, a RevoluçãoIndustrial. No final do século XVIII e início do século XIX o “desenvolvimento
da indústria pesada (siderurgia e metalurgia), meios de transporte (locomotivas
a vapor), instrumentos de comunicação (telégrafo) e tudo o mais que veio em
seguida provocaram uma sensação contínua de que o tempo se acelerava e as
distâncias se encurtavam." Trata-se de um conjunto de mudanças cuja
principal particularidade foi a substituição do trabalho artesanal, manual pelo
uso das máquinas. Primeiramente, máquinas voltadas para a produção têxtil para
tecer grande quantidade de fios que manualmente utilizava vários trabalhadores.
O capital vindo deste lucro foi aplicado nas estradas de ferro que a partir de
1830 começaram a ser construídas na Inglaterra com vários vagões de trem
puxados por uma única locomotiva a vapor. Surgiram também os barcos e navios movidos
a vapor. As viagens tornaram-se mais curtas e velozes e os barcos e vagões
carregavam passageiros e grandes quantidades de mercadorias. Gerava-se mais
lucro que eram investidos nas máquinas e tecnologia. Nas cidades, ao longo das
ferrovias e rios, surgiam fileiras de fábricas com chaminés mais altas que as
torres das igrejas. No campo, os animais eram substituídos por locomoveis para
arar a terra e movimentar cargas pesadas. A Revolução Industrial causou uma transformação radical na estrutura
política, social, econômica, cultural, assim como a Revolução Tecnológica tem
mudado radicalmente a sociedade no início do século XXI. Entretanto, como
qualquer revolução, alguns ganharam outros perderam. Essa transformação trouxe
melhoras indiscutíveis, mas também causou problemas e sérias dificuldades que
ainda hoje tem impacto e consequências graves e são desafiadores.
O lado positivo da Revolução Industrial foi que com o
desenvolvimento das maquinas no campo e nos transportes, reduziram-se as crises
de subsistência e aumentaram a produção e distribuição de alimentos. Paralela a Revolução Industrial ocorreu a Revolução Cientifica e com as
tecnologias sendo aplicada à medicina, a população começa a ser vacinada e a ter
acesso a medicamentos. Erradicaram-se pestes como a varíola e a cólera e era
possível tratar doenças como a tuberculose. Também se iniciou a implantação do
saneamento urbano e saúde pública baseados no estudo das relações entre
saneamento e saúde do inglês Edwin Chadwick em 1842. Os espaços das cidades passaram
a ser planejados, disciplinando-se a localização de cemitérios longe dos
centros urbanos, construindo-se hospitais e arejando-se ruas e construções
públicas. A consequência foi o aumento da expectativa de vida e diminuição das
taxas de mortalidade infantil e o consequente crescimento populacional. Cidades como Londres, Paris, e Berlin cresciam
rapidamente. Para termos uma ideia, no ano 1 a. C. havia cerca de 250 milhões
de habitantes no planeta. Foi preciso 1.600 anos para dobrar este número e
chegar a 500 milhões. Em 1850, a população do planeta atingiu 1 bilhão de
pessoas e de 1850 a 1950 alcançou 2,5 bilhões de habitantes. Mas as cidades não
cresciam apenas por esse motivo. Isto nos leva a pensar nas consequências
negativas da Revolução Industrial.
Um deles foi o aumento ganancioso e voraz por matéria
prima de origem animal, mineral e vegetal, cujo consumo provocou grandes
efeitos ambientais e geração de resíduos e rejeitos industriais. Um dos lados sombrios
desta Revolução são os desastres naturais e ambientais. Outro lado negativo foi
o aumento no número de trabalhadores, e diminuição na oferta de trabalho. A
Revolução Industrial transformou o estilo de vida dos trabalhadores, pois as
maquinas passaram a ser a grande responsável pela produção. Na produção manual
o trabalhador utilizava sua capacidade e habilidade artesanal na produção de
mercadorias, que era valorizado com altos salários. A partir de então, qualquer
trabalhador poderia operar a máquina e realizar todo o processo de produção
sozinho e podia ser facilmente substituído por outro. O resultado foi que o
salário diminuiu. Com o salário baixo, precisavam trabalhar mais horas.
Trabalhava-se até 16 horas por dia. As maquinas ainda rudimentares, causavam
acidentes e os trabalhadores acidentados eram substituídos por outros
saudáveis. Os patrões preferiam contratar mulheres e crianças, pois seus
salários chegavam a ser 50% mais baixos que os dos homens.
O cenário industrial modernizou também o campo e as
práticas agropecuárias. As máquinas realizavam o trabalho de dezenas de camponeses.
Como consequência, aumentou o excedente de mão de obra no campo. Além de não
terem terras suficientes para trabalhar, os camponeses eram obrigados a pagar altos
impostos. Os pequenos produtores se endividavam e acabavam perdendo suas terras.
As terras iam se concentrando nas mãos de poucos proprietários. Se não bastasse
isso, fatores naturais como secas ou enchentes contribuíam para que cada vez
mais camponeses fugissem para as cidades procurando trabalho nas fábricas e construção.
Acontece que não havia nem emprego, nem moradia nem comida para todos.
Além da crise de desemprego, alguns países do
continente europeu passavam por crises
políticas e surtos de doenças.
Entre 1820 e 1844, a população Irlandesa sofreu com a ‘fome da batata’ causada
por más colheitas cíclicas, e surtos de doenças nos porcos. Na Itália o
problema vinha das guerras e batalhas que buscavam entre 1815 e 1870 unificar o
país, que era uma coleção de pequenos Estados submetida a potências
estrangeiras. Entre 1850 e 1945, cerca de um século, a Europa foi palco de
guerras e revoluções que alteram suas fronteiras e a história de todo o mundo.
Acentuaram-se perseguições políticas, raciais e religiosas. Sem trabalho
aumentava a fome e a miséria. Como resolver estes problemas? Para onde iriam
esses camponeses ou milhares de desempregados?
Enquanto isso, no mesmo período, países jovens como os Estados Unidos e Canadá na América do Norte, Austrália e Nova Zelândia na Oceania, África do Sul na África e Brasil, Uruguai e Argentina na América do Sul, estavam ainda despovoados e careciam de mão de obra. Se por um lado na Europa havia gente sobrando, do outro lado do mundo havia muito espaço para ser explorado e terras para plantar. Alguns desses países começavam a se industrializar e faltava mão de obra. Foi assim que nesses países se iniciou uma campanha para atrair imigrantes. Começou então o maior fluxo de emigração da historia humana, a chamada emigração em massa.
Um grande contingente de emigrantes saiu da Irlanda
para os EUA, quase metade da sua população entre 1850 e 1913. Os ingleses e os
escoceses registraram surtos emigratórios entre 1815 e 1914, estabelecendo-se
em países como Canadá, EUA, Austrália e África do Sul. Os alemães emigraram
para os EUA, Brasil, Austrália e África Austral, os italianos para os EUA,
Brasil e Argentina e para outras regiões da Europa. Os portugueses dirigem-se
ao Brasil.
Chegamos finalmente à parte que nos interessa: A Itália e a o motivo por trás da decisão de Giacomo Sarti e outros imigrantes deixarem o Vêneto e partir para o Brasil. A Itália, no final do século XIX, apresenta um enorme contingente de emigrantes devido à crise que atingiu este país entre 1882 e 1891, principalmente nas regiões agrícolas que produziam vinho e seda no Vêneto, Centro Norte do país, e na tradicional Campânia, Calábria e Sicília. Além disso, o superpovoamento e o desenvolvimento industrial quase nulo da Itália meridional (sul) e central nos finais do século XIX agravaram a situação, levanto a um aumento na emigração principalmente de camponeses. Foi nesse contexto histórico que os membros das famílias Sarti, Feltrin e Tiozzo partiram do Vêneto para o Brasil em 1888.
Como mencionado antes, a migração faz parte da
história humana e da história da minha família. Meu bisavô Giacomo Sarti
emigrou da Itália para o Brasil em 1888 e do Brasil para a Argentina em 1909.
Em 1963 meu pai emigrou de sua cidade natal, Colina para a região metropolitana
de São Paulo. Nos dois casos, eles emigraram ou mudaram de cidade principalmente
por questão econômica, procurando melhores condições de trabalho ou qualidade
de vida. Giacomo Sarti foi pego no furacão da emigração em massa e Reinaldo
Sarti no turbilhão do Êxodo rural. Os contextos
históricos destes movimentos migratórios estão escritos em vários livros de
história e artigos da Internet para serem lidos e estudados. O que eu queria
era saber as circunstancias que levaram Giacomo a tomar a decisão de partir. Eu
queria conhecer os detalhes sobre sua vida na Itália, quem eram seus pais, como
ele vivia e onde trabalhava. Teria ele se casado na Itália, antes de vir ao
Brasil ou conheceu sua mulher Amabile Feltrin aqui no Brasil? Por que
escolheram o Brasil e não outros países como a Argentina ou os Estados Unidos?
Tentei encontrar respostas para essas perguntas na Historia
da imigração e também na pesquisa de documentos pessoais deles como registros
de nascimento, casamento e óbito de outros membros da família. Como uma
história leva à outra, acabei descobrindo várias coisas interessantes e
coincidências incríveis sobre eles. Mas o processo dessa descoberta acabou se
tornando uma historia à parte. Eu vou contar como foi no próximo capitulo.
Observação:
1 - Migração, imigração e emigração: Segundo o Dicionário
Houaiss da língua portuguesa migração é o ‘movimento de entrada (imigração) ou
saída (emigração) de indivíduo ou grupo de indivíduos, geralmente em busca de
melhores condições de vida [Essa movimentação pode ser entre países diferentes
ou dentro de um mesmo país.].’ Emigração é o ‘ato ou efeito de emigrar, saída
espontânea de um país (definitiva ou não); expatriação ou movimentação de uma
para outra região dentro de um mesmo país.’
E Imigração é o ato ou efeito de imigrar, a entrada de indivíduo ou
grupo de indivíduos estrangeiros em determinado país para trabalhar e/ou para
fixar residência, permanentemente ou não.” [Dicionário Houaiss da língua
portuguesa – Ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 2009, 1ª edição.]
2. Emigração em massa - Denominação atribuída ao período compreendido entre o fim das guerras napoleônicas (1815) até a depressão mundial de 1930, ocasião em que 60 milhões de europeus (e 10 milhões de asiáticos) cruzaram o oceano em direção a outros continentes. Deste total, 71% teriam se dirigido para os Estados Unidos, 21% para a América Latina, e apenas 7% para a Austrália. Desses 21% ou 11 milhões de pessoas que se dirigiram a América Latina neste período, 38% eram italianos, 28% espanhóis e 11% portugueses, para citar as correntes majoritárias. Cf. MÖRNER, Magnus. Aventureros y proletarios: los emigrantes en Hispanoamérica. Madrid: Editorial Mapfre, 1992, p.76
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