A pergunta acima faz parte de um questionamento cuja resposta tem sido
procurada na Filosofia, Ciência ou Religião e outras áreas do saber humano. Esta
pergunta não está restrita ao universo da minha família, pois acredito que a
curiosidade faz parte da natureza humana e um dia todos nós tentamos buscar
resposta a ela. Neste caso, vamos falar especificamente sobre a família Sarti e
das famílias que se ligaram a ela como Feltrin e principalmente Tiozzo.
Meu pai sabia muito pouco sobre seus avós. E do pouco
que sabia, estava equivocado sobre vários fatos. Não era sua culpa. Outros
membros da família também sabiam quase nada sobre eles. Não sei precisar com
que idade eu comecei a ouvir que éramos descendentes de italianos. Meu pai, nas
pouquíssimas horas de folga, rabiscava alguns nomes e datas em algumas folhas
de caderno. Curioso, eu quis saber do que se tratava. Eram listas com os nomes
dos seus antepassados: avô, pai, irmãos, primos e sobrinhos.
A primeira pergunta que fiz sobre seus avós foi em
que parte da Itália eles viviam antes de emigrarem. Meu pai me olhava de forma estranha,
surpreso! Talvez pensasse: “Mas que
pergunta é essa!” E ao mesmo tempo: “Mas
é claro, a Itália é um país. Em que província ou cidade eles nasceram? Como eu
nunca pensei nisso?” Agora era tarde. Seus pais já haviam morrido. Talvez
eles soubessem algo. Talvez não! Uma vez eu perguntei ao meu pai se ele sabia os
nomes dos seus bisavós, dos pais de Giacomo e Amabile. Também não sabia!
Perguntei em que ano haviam chegado ao Brasil. Nada! Quando ele falava dos seus
tios e primos, referia-se a eles por apelidos como Angelin, Angelina, Nêga, Nêne,
Bepe, Pina. Chamava seu avô de Jacomo, a forma aportuguesada de Giacomo. O que ele
sabia e nos contava, vinha das versões que ouviu de seu pai Ângelo, que não era
de muita conversa. Giacomo morreu em dezembro de 1940, quando meu pai,
Reinaldo, tinha apenas três anos de idade. Ele era muito pequeno para poder se
lembrar dele. Nem mesmo de sua avó
Amabile, que morreu quando Reinaldo tinha seis anos era capaz de lembrar. A
biografia do meu bisavô, Giacomo Sarti se resumia a um parágrafo.
Segundo Reinaldo, Giacomo veio da Itália, casado com
dois filhos pequenos. Foram trabalhar no cafezal de uma fazenda em Sertãozinho,
cidade próxima a Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Mas não sabia o nome
da fazenda. Dizia que haviam emigrado do Brasil para a Argentina quando meu avô
Ângelo era ainda bem pequeno, mas voltaram para Ribeirão Preto. Depois se
mudaram para varias outras cidades na região do interior paulista, incluindo
Colina onde meu pai nasceu. Sabia que seu avô havia sido enterrado no cemitério
de Jaborandi, SP. Eram informações muito vagas. Ele dizia que naquela época, se
referindo ao tempo em que seu avô era vivo, Giacomo, chefe do clã, mantinha
todos os filhos junto a si. Mesmo depois de casados, seus filhos continuavam a morar
na mesma casa ou em casas vizinhas da colônia com suas esposas e respectivos
filhos. Quem dava as ordens e tomava decisões era o patriarca, o que ele
decidia era lei, e os filhos obedeciam. As mulheres não tinham voz. Não
interessava se gostavam da casa ou de morar perto uns dos outros. Trabalhavam
todos juntos nos cafezais e quando Giacomo decidia mudar para outra fazenda, a
família toda ia junto. Assim, Giacomo e Amábile envelheceram rodeados dos
filhos Enricco, Bruno, Marcelo e Ângelo, das noras e dos netos.
Meu interesse pela história da família começou quando eu era ainda menino. Talvez pelo fato de repetidamente ouvir que éramos descendentes de italianos, comecei a me interessar pela cultura daquele país. Algumas palavras italianas faziam parte do vocabulário da família. Mesmo minha mãe, que era neta de portuguesa e filha de brasileiros, mas conviveu com italianos na fazenda onde crescera, usava palavras como ‘narotio’ para meleca de nariz, que devia ser uma mistura de ‘naso’ (nariz) ou ‘narice’ (narina) e a palavra italiana ‘móccio’ (meleca). Ela também dizia: “Você é um polenta mole!” Usava a palavra ‘polenta’ no lugar de preguiçoso, ou preguiçosa, muito comum ainda hoje na Itália. Algumas palavras que meu pai ensinava para nós em italiano incluíam ‘cuchêro’ para colher que provavelmente vem do dialeto vêneto ‘cuciaro’ ou ‘scujero’ 2. E tinha o Ângelo, meu avô que praguejava com as expressões ‘Dio porco’ e ‘spelandron de la Madonna’ para preguiçoso.
Nos idos de 1970, mudou-se para nosso bairro, na
cidade de Mauá, SP, a família Schiavelli. Vicente, o pai, era italiano.
Frequentávamos a mesma congregação religiosa e ficamos muito amigos deles.
Minha irmã, Elza, acabou se casando com Antônio Schiavelli, um sobrinho dele. Aprendemos a apreciar
as musicas italianas que faziam sucesso e tocavam no rádio com frequência. Eu
ouvia músicas como “Nel blu dipinto di blu” do
compositor Domenico Modugno de 1958 3, Roberta e Champagne
na voz de Pepino de Capri e o dueto impressionante de Wess & Dori
Ghezzi no refrão de “Noi Due Per
Sempre” 4 e “Tu Nella Mia Vita”.
Quando adolescente, eu e minhas irmãs íamos ao cinema para assistir a
reprise do filme “Dio Come ti Amo” de
1966 com Gigliola Cinquetti como atriz e cantora. Nós aprendíamos as letras das
musicas de cor, cantávamos juntos e nem sabíamos o que estávamos dizendo!
Quanto à culinária italiana, minha mãe, brasileira, se limitava a fazer
macarronada aos domingos com molho de tomate enlatado, polenta com molho de
carne moída e nhoque de batatas em algumas ocasiões especiais. Mas quando visitávamos
minha tia Célia Zapella, casado com o tio Gusto (Augusto), nos deliciávamos com
alguns pratos ‘veramente’ italianos
que ela preparava com capricho. (Fotografia: Vicente Schiavelli, á direita sentado, Desdêmona, à direita em pé, Orlando, à esquerda em pé, Débora, sentada ao meio e Antonio Schiavelli, em pé ao meio, o sobrinho de Vicente que casou-se com Elza Sarti, filha de Reinaldo Sarti).
Por volta de 1980, andando em um shopping centre de São Paulo, vi um desses quiosques que imprimiam diplomas com o brasão da família e explicava a origem do nome das famílias. Como era novidade por aqui, só estava disponível em inglês. Todo orgulhoso, eu comprei um! O texto explicava a origem do nome Sarti, variantes do nome, proveniência, e algumas pessoas ilustres com o sobrenome e descreve a forma e cores do Brazão de Armas. Segue a fotografia e a tradução:
O sobrenome italiano Sarti é de origem ocupacional. Pertence aquela categoria de nomes que derivam de profissões ou tipo de trabalho feito pelo que originou o nome. Neste caso, o sobrenome ‘Sarti’ vem da palavra italiana ‘sarto’, que significa “alfaitate”. Evidentemente o progenitor era um alfaiate. A letra final ‘i’ do sobrenome denota a forma plural, ilustrando que o processo do sobrenome sendo passado de geração em geração. Na Idade Média, o padrão que servia de base para o sobrenome das famílias era baseado na paternidade, ou seja, o nome do pai sendo a referencia para identificação, mas antes deste advento, o sistema estrutural de sobrenomes, o homem era mais convenientemente identificado pelo local onde habitava ou pela sua profissão. A Enciclopedia Storico-Nobiliare Italiana, uma lista da nobreza italiana, menciona como a variante mais próxima ao sobrenome Sarti, a família Sarto proveniente de Riese, na província de Treviso, que era muito antiga, mas apenas em 1746 foi concedida com o selo de nobreza. Um membro muito famoso desta família foi Giuseppe Sarto, que foi bispo de Mantua e Cardeal Patriarca de Veneza. Em 1903 ele foi eleito papa com o nome de Pius X e quando ele morreu, onze anos mais tarde, o Vaticano começou o processo de sua beatificação. O “Dicionário Storico Blasonico”, um armorial da linhagem nobre italiana, lista a família pelo nome de Sarti de Bologna. Giacomo e Caddeo Sarti foram parte do governo da cidade como anciãos em 1594, e um Caddeo foi bispo de Nepi e Sutri. Segue com as descrições do Brazão de Armas.
Atualmente não sei quanto dessa informação é correta.
Na época, minha curiosidade se limitava em saber em que Província ou cidade
italiana meus bisavós nasceram e viviam antes de emigrarem. Seria Treviso, na região
do Vêneto, nordeste da Itália? Ou quem sabe, Veneza, a capital do Vêneto,
famosa por seus canais?
Nos anos de 1980, devido a grave crise econômica, o
Brasil deixava de ser receptor de imigrantes. Nesta época começa o primeiro
fluxo de emigração, ou seja, muitos brasileiros saiam do Brasil em busca de
trabalho e melhores condições de vida em outros países europeus e da América do
Norte. Havia uma febre de descendentes de europeus buscando a dupla cidadania e
o passaporte estrangeiro. A dupla cidadania na Europa ainda hoje é permitida em
vários países do continente, alguns com restrições. No caso da cidadania
italiana é baseada no direito internacional jus
sanguinis ou jure sanguinis.5 No endereço eletrônico do Consulado Geral da
Itália em São Paulo, uma das perguntas mais frequentes é: Quem tem direito a cidadania por descendência? A resposta
encontrada no dia 20/06/2020 foi a seguinte:
“A cidadania italiana jure sanguinis é transmitida a partir do(a) ascendente italiano(a)- nascido na Itália - aos descendentes (desde que não tenha havido aquisição de cidadania estrangeira – vide FAQ n.7 e n.8), sem interrupção e sem limite de gerações. A única exceção se refere à descendência por parte materna, se a mulher na sua linha de ascendência, tiver tido filhos antes de 01/01/1948. De fato, caso haja uma mulher na linha de transmissão de cidadania (bisavó, avó, mãe) somente os filhos dela (e assim também os descendentes), nascidos a partir de tal data, poderão solicitar a cidadania italiana através deste Consulado.
Eu não tinha interesse em emigrar, mas fui contagiado
pelo frenesi daquele momento. Ter um passaporte europeu também passou a ser
símbolo de status social. Fui ao Consulato Generale d’Italia em São Paulo buscar informações sobre documentação
necessária para obter a cidadania italiana. A lista parecia interminável, com mais
de dez certidões de óbito, casamento e nascimento do interessado até o antenato
(o antepassado italiano). Seguia mais informações sobre quantas cópias,
reconhecimento de firma, tradução juramentada, seguida de observações: “Cada certidão deverá estar correta quanto a:
sobrenome, nome, filiação, data de nascimento e idade. Caso haja algum erro nos
tópicos acima mencionado, o interessado deverá providenciar a retificação antes
de traduzir a certidão. (...) Mulher italiana transmite a cidadania a filhos
nascidos a partir de 01/01/1948.”
Informações corretas? Era uma piada. Os documentos feitos nos cartórios brasileiros estavam repletos de erros e ao repassar a lista de documentos necessários para a
cidadania, me parecia uma tarefa hercúlea. Como não sabíamos em que cidade o
Giacomo havia nascido, nem mesmo se havia se casado na Itália ou Brasil,
resolvi começar pela certidão de óbito do Giacomo Sarti. Meu pai percebeu que
meu interesse ia além de mera curiosidade e em julho de 1996, enquanto em
Colina, ele providenciou uma cópia do documento no cartório de Jaborandí, SP.
Ao receber o documento, observei que havia vários erros. O nome dele, Giacomo,
estava escrito na forma portuguesa “Jacomo”. Os erros não se limitavam apenas a
grafia. Alguns eu só descobri alguns anos mais tarde como os nomes dos pais do
Giacomo Sarti. Mas naquele momento segui acreditando que eram Francisco Sarti e
Luiza Gabrieli.
Meu bisavô era analfabeto, como atestam vários documentos que encontrei mais tarde. As histórias sobre a família dele na Itália, a viagem até o Brasil, os nomes dos locais onde morou e as datas dos acontecimentos eram transmitidos oralmente aos seus filhos. Não havia registro escrito dessas informações. E afinal, quem era Rafael Marqueti, o declarante do óbito? Provavelmente o administrador da fazenda Aparecida onde Giacomo morava quando morreu. Ele deve ter apanhado essas informações com alguém da família, às pressas e oralmente. Acredito que naquela época, os cartórios nem solicitavam documentos na hora de fazer atestados de óbitos. Quanto à cidade de onde ele veio apenas dizia que ‘Jacomo’ era ‘natural da Itália’. Mas pelo menos havia uma pista, se ele tinha setenta e oito anos em 1940, ele teria nascido em 1862.
Dois anos depois, fiz uma ligação ao Memorial do
Imigrante em São Paulo solicitando uma cópia da certidão de desembarque em nome
de Giacomo Sarti. Fui informado que deveria fazer um pedido por escrito, por
isso enviei um fax no dia 19/06/1998 com data provável de desembarque entre
1895 - 1900. Acreditava que finalmente descobriria a cidade de onde vieram. Recebi
um envelope pelo correio poucos dias depois, mas a alegria inicial tornou-se
decepção. Não se tratava do Giacomo
Sarti que eu procurava, mas de um homônimo. Aquele tinha quarenta e oito anos em 21/09/1888 e o nome
de sua mulher era Maria. Se meu bisavô havia nascido em 1862, ele teria 26 anos
em 1888. Dava até vontade de desistir, mas segui em frente.
Em 1995, depois de fazer uma viagem de trinta dias
pela Europa, decidi que voltaria para morar e estudar na Inglaterra, país que
fazia parte a União Europeia. Eu iria passar um ano na Inglaterra para estudar
inglês e prestar o exame de proficiência em inglês pela Universidade de
Cambridge. Exatamente 110 anos depois que meus bisavôs emigraram da Europa eu
faria o caminho inverso. Embora, à priori, meu objetivo era ir e voltar um ano
depois, portanto tratava-se de uma migração temporária, pensei na possibilidade
de ir com o passaporte da Comunidade Europeia em mãos, o que facilitaria
trabalhar e me sustentar lá enquanto estivesse estudando. E depois de um ano,
caso fosse interessante e valesse a pena, eu poderia prolongar a estadia e até
morar um tempo na Itália, país de origem dos meus antepassados. Portanto, meu
interesse em adquirir os documentos e a cidadania italiana se intensificou. Eu tinha três anos, de 1995 a 1998 para conseguir os documentos mas esta
parte dos planos foi frustrada, pois além do processo de cidadania ser
demorado, eu não tinha as informações e documentos necessários para isso, assim
sendo, dei uma pausa na busca de documentos que levaria a aquisição da cidadania
italiana. Segui para a Europa no final de 1998, passei o ano de 1999 no Reino
Unido e voltei para o Brasil em dezembro daquele ano.
Alguns anos depois retomei a busca pelos documentos e
as informações que levassem até a origem do meu bisavô, Giacomo Sarti. Dessa
vez não era pela cidadania e passaporte, mas pela curiosidade em saber de onde
vínhamos. A cidadania era algo secundário, mas servia de estimulo para não
desistir.
Retomei o contato com o Museu da Imigração do Estado de São Paulo. Quando
informei que o primeiro documento que eu havia recebido anteriormente não era
do Giacomo que eu procurava, solicitaram nomes de pessoas relacionadas a ele e
a idade deles na época do desembarque. Baseado nas informações do atestado de
óbito dele fiz o que foi solicitado. Desta vez tive mais sorte. Finalmente encontraram
a certidão de desembarque do Giacomo Sarti, meu bisavô. Mas infelizmente não
era ainda a certidão que eu buscava. Tratava-se da lista com os nomes dos
passageiros que desembarcaram em Santos, vindo da Argentina para São Paulo no navio Hollandia, em
1911, e não o documento de desembarque de quando vieram da Itália. Além do
mais, havia também discrepância de datas quando comparado a certidão de óbito
do meu bisavô.
Na mesma época, em uma viagem a Colina, SP para
visitar parentes e familiares, descobri que Bruno Sarti, meu primo, também
tinha interesse nessas informações. Passamos a nos corresponder e trocar ideias.
Em uma de suas correspondências ele fez um resumo do que tínhamos em mãos até
aquele momento:
Entre 1862 e 1865, em alguma região da Itália, nascia Giacomo Sarti (ou Jacomo
Sarti se preferir). Chegamos a essas datas divergentes por causa das
discrepâncias apresentadas nas certidões de óbito e desembarque quando
comparadas. A certidão de óbito informa-nos que ele tinha 78 anos quando
faleceu em 04/12/1940. Já a outra certidão (de desembarque) diz que ele tinha
46 anos quando voltou da Argentina em 29/03/1911. O que se sabe também é que
ele era lavrador, de cor branca, casado com Amabile Feltrin, nascida
provavelmente em 1872, e falecida em 1942. Os pais de Giacomo nunca estiveram
no Brasil. Chamam-se Francisco Sarti e Luiza Gabriele. [Descobrimos depois que
esta informação é errada]
Na certidão de desembarque de Giacomo, consta que o mesmo voltou da
Argentina em 29/03/1911, desembarcando em Santos. Veio no navio Hollandia procedente
de Buenos Aires. Viveu em Rio Quarto, Argentina por 15 meses. Assim sendo, ele
saiu do Brasil no final de 1909, provavelmente em dezembro. Ele voltou de lá
com sua esposa Amabile Feltrin (39 anos), e o 8 filhos. Foram para Ribeirão
Preto, na fazenda Cel. Francisco Schimidt.
Mas a mesma certidão apresenta uma notável observação: “Já residiu por 20
anos em R. Preto”. Assim, se ele foi à Argentina em 1909, ele residiu no Brasil
de 1889 a 1909.
Na certidão de óbito de Giacomo (1940), apresenta o nome de 5
descendentes (embora a mesma certidão diz haver 6 descendentes). Já a certidão
de desembarque (1911) do mesmo, consta 8 descendentes. Isto pode ter tido
vários motivos, como esquecimento, morte e distancia. Mas comparando as duas
certidões, podemos chegar perto da data de nascimentos desses descendentes. Na
tabela abaixo comparamos essas certidões: Numa coluna temos a certidão de 1911,
ou seja, a de desembarque em Santos. Na outra coluna temos a certidão de óbito
do Giacomo em 1940.
Para entendermos como as datas não eram tão precisas, veja o caso de Ângelo
Sarti, filho de Giacomo: Sua certidão de nascimento marca 1908 como o ano de
seu nascimento. Se assim for, ele teria 75 anos quando morreu em 1983. Mas sua
certidão de óbito diz que ele tinha 78 anos na ocasião, ou seja, teria nascido
em 1905. Agora junte com as possíveis datas da tabela acima: temos 1905, 1908,
1909, 1910 como suas datas de nascimento.
Tabela conforme entendíamos na época:
Descendentes de Giacomo |
Em 1911 (Desembarque em Santos) |
Em 1940 (óbito de Giacomo) |
1 Enricco Sarti |
20 anos, nascido em 1891 |
? |
2 Bruno Sarti |
18 anos, nascido em 1893 |
45 anos, nascido em 1895 |
3 Antonia Sarti |
15 anos, nascida em 1896 |
28 anos, nascida em 1912 |
4 Angela Sarti |
09 anos, nascida em 1902 |
35 anos, nascida em 1905 |
5 Marcelo Sarti |
08 anos, nascido em 1903 |
40 anos, nascido em 1900 |
6 Maria Sarti |
06 anos, nascida em 1905 |
? |
7 Ângelo Sarti |
02 anos, nascido em 1909 |
30 anos, nascido em 1910 |
8 Rosa Sarti |
06 meses, nascida em 1910 |
? |
Conforme as dúvidas apareciam eu falava com meu pai para ver se ele se lembrava de algo que pudesse nos ajudar. Ele também estava intrigado. Em 2007, meu pai uniu as informações do atestado de óbito e da lista de passageiros de 1911 às suas parcas lembranças e escreveu um texto ao qual chamou de ‘breve relato da família Sarti’. Eram duas simples folhas de caderno que guardo até hoje como se fosse um pergaminho valioso. Meu pai estudou apenas três anos na escola primária e por este motivo escrevia como falava. Traduzi abaixo as suas ideias acrescentando vírgulas e pontos onde achei necessário para melhor compreensão do texto sem, entretanto alterar a grafia original. As informações que estão entre parênteses são as correções. As informações entre colchetes são acréscimos meus e informações extras de esclarecimentos de algumas partes grifadas:
Breve relatos da família Sarti.
Ponto de partida: Francisco e Eloiza nasceram e
morreram na Itália. Obs. Não sei a província. Único filho que tenho conhecimento,
o Jacumo Sarti (Giacomo Sarti). Jácumo casou com Mabele Feltrim (Amabile
Feltrin). Jácumo nasceu mais ou menos [em] 1865 e migraram p/ o Brasil por volta de 1885-90 junto das famílias
Carlo Tiozzo e esposa Antonia Boscarato e outros. Os mesmos foram acolhidos em
Santos e transportados de trem para a fazenda Dumom (Dumont) município Sertãozinho,
estado S. Paulo. Jacumo e Mabile tiveram 8 filhos: Enrique, Antonia uma
filha deficiente, nasceram na Itália / Bruno, Ângela, Marcelo, Ângelo e
Loli a caçula nasceram em Sertãosinho. [Não sei se a filha deficiente era a
Antonia, ou outra pessoa. Talvez fosse a Loli, algo que mencionarei mais tarde].
Carlo [Tiozzo] e Antonia [Boscarato] tiveram
8 filhos: João, Antonio, Dino, Saíno, Eugênia, Néle, Dirce = Virginia, e
Maria. Casaram 3 Tiozzo c/ 3 Sarti. João c/ Antonia Sarti, Bruno c/ Eugênia / Ângelo
c/ Dirce. João e Antonia tiveram 6 filhos: Alberto, Nelson, Nena, Amalha,
Antonio, Nair. [Dirce era o apelido da minha avó Virginia Tiozzo].
Bruno x Eugênia 9 filhos; Edalina (Idalina), Páscoa,
Felomena (Filomena), Virginia, Izaura, Maria, Jacumo, Carlo, Cida.
Angelo c/Virginia (tiveram) 13 filhos: Antonio 76
anos, Olivio morreu c/ 8 meses, estaria c/ 74 anos, Geraldo morreu c/ 16 anos,
estaria c/ 72 e meses, Reinaldo 70, Aparecida morreu c/ 8 meses, estaria c/69
anos, Augusto 66, Evaristo 64, Zulmira 60, Nego = Vitalino 58, Nadir 56,
Paulo 54 e ultima morreu no parto [em] 1952. [Nego é o apelido de Vitalino, irmão do meu pai].
As famílias Sarti e Tiozzo após trabalharem na fazenda
Dumão (Dumont) em Sertãosinho por mais de 20 anos ambos mudaram para Fazenda
Floresta T. Roxa [SP] em 1933. As
famílias Sarti mudaram para fazenda Recreio, Colina [SP].
Após alguns anos, ficaram morando no município de
Colina somente [as] família (de)
Angelo Sarti e Marcelo Sarti, os demais voltaram p/ Terra Roxa. Na década de 40
todos que estavam em Terra Roxa mudaram p/ Região de Presidente Prudente,
Rancharia, [SP] menos Néle c/ marido
Luiz Bombardim e filhos. [Néle é uma mulher]
Em 1952, Ângelo e Marcelo mudaram p/ [a fazenda] Retiro, Colina [SP] – Em 1962 mudaram p/ fazenda Jangada [em] Barretos e [em] 1963
voltamos para F. Caçula, Colina, [SP].
[Em] Novembro de 63 eu [Reinaldo
Sarti] e Augusto mudamos p/ S. Paulo. Ângelo
p/ fazenda Palmital [Colina, SP] – 8
anos depois mudaram (para a fazenda) São Joaquim. [Em] 1980 mudaram p/ Colina. Dali pra frente a historia é conhecida.
Esse texto também contém algumas informações equivocadas,
que foram esclarecidas mais à frente. Entretanto, essas eram as primeiras peças
de um quebra-cabeça que eu estava disposto a montar com a ajuda do meu primo
Bruno.
Algum tempo depois Bruno conseguiu no cartório de Colina o atestado de óbito da nossa bisavó, Amabile Feltrin. Segundo este documento seu pai era Felicio Feltrin e sua mãe Luiza Orbesina. Algum tempo depois descobrimos que o nome de sua mãe era Lugia Gabrieli e não Orbesina. Outro mistério sem explicação. Infelizmente não havia informações sobre os filhos dela para compararmos com a certidão de óbito do Giacomo, mas descobrimos algo interessante: Ela era natural de Rovigo, Itália. A província de Rovigo fica na região do Vêneto e está dividida em 50 comunas (cidades rurais ou urbanas). A cidade de Rovigo é também a capital da província com o mesmo nome. Será que o Giacomo também vinha daquela região? O atestado indicava o nome do pai da Amabile, Felicio Feltrin e foi através dele que encontramos a lista de desembarque dele no Brasil no site oficial do Museu da Imigração do Estado deSão Paulo. A internet facilitava e agilizava muito a busca de informações. Buscar por Nome: Felice di Giov. - Sobrenome: Feltrin / Nacionalidade: Italiana / Data: 1888 (21/09/1888) – Vapor: Poitou /Idade: 42 – Família 01387 / Livro: 013 – Página: 215
Essa lista indicava que viajaram no Vapor Poitou, a data do desembarque no porto de Santos em 21/09/1888 e os nomes dos nossos tataravôs, seus filhos e a idade de cada um deles: Felice (di Giovanni) 6 Feltrin (42), a esposa Luigia (37) e os filhos Amabile Feltrin (16), Agostino Feltrin (13), Eugenio Feltrin (12), Ângela Feltrin (09), Concetta Feltrim (7), Maria Feltrin (4) e Antônia Feltrin (1).
Amabile havia chegado ao Brasil em 1888 com dezesseis
anos, acompanhada de seus pais. Deduzimos então que ela viera solteira e não
casada com o Giacomo, conforme acreditava meu pai. Muito menos veio ela com
dois filhos para o Brasil. Essa informação parecia incorreta. Tínhamos que
confirmá-la, embora parecesse óbvia. Intrigava também o fato de que no mesmo navio
e na mesma data chegara aquele Giacomo Sarti, irmão de Gotardo Sarti com 41
anos. Não passava de uma coincidência.
A próxima etapa seria encontrar a certidão de casamento do Giacomo e Amabile. Para chegar ao ano do casamento dela, fizemos o cálculo baseado na data de nascimento do seu primeiro filho, Enricco Sarti. Ele tinha vinte anos em 1911, quando voltaram da Argentina, sendo assim, ele nasceu em 1891. Portanto, Giacomo e Amábile se casaram entre 1888 e 1891. Parecia simples. Bastava solicitar a certidão de casamento para os cartórios da cidade de Sertãozinho e Ribeirão Preto, SP. Mas não seria uma tarefa fácil. Nem sempre tínhamos respostas positivas. Outras vezes, quando recebíamos um documento, em vez de respostas surgiam mais perguntas o que nos obrigava a pular uma etapa ou desviar a rota da pesquisa. Levaria tempo, mas eu e meu primo Bruno estávamos dispostos a montar aquele enorme e difícil quebra-cabeça.
Notas e referências:
- Jacomo é a forma aportuguesada de Giacomo.
- A palavra colher em italiano padrão é ‘cucchiao’, mas no dialeto vêneto tem variações como “cuciaro, cujero, sculiero, sculier, sculiero”. Outras palavras como ‘spelandron’ para preguiçoso vem do Talian, que é uma variante da língua vêneta.
- Volare – “Nel blu dipinto di blu” [nel ˈblu diˈpinto di ˈblu] (em português: "No azul pintado de azul"), popularmente conhecida por Volare é uma canção que se tornou a primeira vencedora do Grammy em 1958. Foi a primeira e até hoje a única canção numa língua que não seja a inglesa a conseguir tal feito. É, também, uma das sete canções em língua estrangeira a atingir o topo da Billboard Hot 100. No total, ela permaneceu durante cinco semanas (não consecutivas) no Hot 100, entre agosto e setembro de 1958.
- “Noi Due Per Sempre” - Musicas & Letras de Roberto Ornelas cantada por Wess & Dori Ghezzi. A dupla também cantava a canção “Tu Nella Mia Vita” que alcançou o 6º lugar no festival de San Remo de 1973.
- Para entender melhor a lei de dupla cidadania, sugiro a leitura no site do Consulado de Italiano em São Paulo. Procure pelas palavras: dupla nacionalidade, Benigno Nunes Novo, jusbrasil. O site do Consolato Generaled’Itália San Paolo também tira dúvidas sobre a cidadania italiana jure sanguinis (por decendencia). Visite o site ou digite as palavras: perguntas frequentes cidadania italiana conssanpaolo.
- ‘di’ e ‘fu’ nos nomes - O nome do pai de Amábile Feltrin é Felice Feltrin. O acréscimo ‘di Giovanni’ ao nome indica que ele é filho de Giovanni. Equivale a dizermos: “Felice, filho de Giovanni Feltrin”. Em documentos escritos em italianos encontramos também nomes escritos desta forma: Sarti Francesco fu Giovanni. O “fu” indica ‘falecido’. Seria o equivalente a dizer: “Francisco, filho do falecido Giovanni Sarti.”
Comentários
Postar um comentário