Esta postagem é uma continuação da número 32 – Caipiras Graças a Deus.
Discorri anteriormente sobre a conversa com a Zenaide e contamos
histórias do tempo da fazenda. Neste que segue vou falar da visita a minha tia
Zulmira em Monte Azul, filha da Virginia Tiozzo e de volta a Colina, a visita as
minhas tias Zica, Zilda e Isabel, todas noras de Virginia. Foram conversas
interessantes visto que temos versões diferentes da mesma pessoa. E por fim as
conversas com os tios Nego e Paulo, filhos dos meus avós Ângelo e Virginia.
Na casa da Tia Zulmira - Monte Azul
Na tarde de quinta-feira, dia 26/12/2019, depois de almoçar o
escondidinho feito pela Idalina, pegamos o carro, passamos na casa da nossa
prima Cistina, e seguiríamos para a casa da minha tia Zulmira em Monte Azul. Como
fazia calor! O ar condicionado do carro parecia não vencer a temperatura!
Assim que chegamos, minha tia me abraçou forte. Seu beijo lembrou o beijo da minha vó Virginia que nos beijava repetidas vezes, chorando, quando se despedia da gente, na volta para São Paulo. Minha tia se parece muito com a sua mãe. Os mesmos olhos azuis pequenos, quase escondidos atrás dos óculos. A casinha da minha tia, com seu atual marido, o Índio, é uma casa simples, limpinha e arrumadinha. O quintal estava varrido e a horta carpida. Ela fez bolo e café para nós. A mesma hospitalidade de sempre!
Não demorou muito e começamos a relembrar os tempos em que ela vivia na fazenda. Eu usei como gancho o que minha mãe me contou, que minha tia começou a trabalhar na roça com cerca de 12 anos, quando minha mãe se casou com meu pai. Olhei para minha tia Zulmira e acrescentei:
“Imagino que a tia ficou muito brava com a minha mãe, porque ela te tirou do sossego de ajudar a vó em casa e a empurrou para trabalhar na roça.”
Minha tia nem pensou duas vezes para dizer que eu estava errado:
“Mas eu gostava de trabalhar na roça!”
Interessante, talvez como a minha prima Zenaide, ela gostava de trabalhar ao lado do seu pai. Talvez preferisse a roça a tentar satisfazer minha avó, incansável que era, em colocar as filhas e noras para trabalhar. Ela disse que fazia trabalho de homem. Meu avô, meus tios Nego, Paulo e Nadir tiravam o café do pé e deixavam os grãos no chão. Formava-se uma fileira interminável de grãos de café. Enquanto isso, ela junto com meu tio Evaristo, recolhiam, abanavam e colocavam os grãos em sacas. No final do dia, meu avô ia para o terreirão, os outros voltavam para casa, mas ela ficava com meu tio para deixar as sacas prontas para serem carregadas no dia seguinte.
Lembrou que um dia, logo depois do almoço, ela em vez de descansar, como os outros, saiu catando lenha para levar para casa na volta. Como de costume, deixou o feixe de lenha em um lado, junto com os embornais com as marmitas e moringas d’água que levariam para casa. Na volta pra casa, ela colocou o feixe de lenha na cabeça e seguiu caminho. Quando ela chegou na colônia, perto de casa ao lado da escada da cozinha, assim que jogou o feixe de lenha no chão, viu uma cobra jararaca saindo do feixe. Ate hoje ela pensa:
“O que teria acontecido se aquela cobra
tivesse resolvido sair do feixe e descer pelo pescoço dela?”
Depois que chegava em casa, da roça, ainda ia tirar
palha das espigas de milho para dar aos porcos. Depois tirava água do poço e
enchia os regadores e ia aguar a horta de verdura. Enquanto isso, os irmãos
dela ainda tinha energia para ir jogar futebol com outros rapazes da fazenda,
ou então iam tomar banho antes da minha avó chamar para jantar.
O Toninho, seu filho, me disse que uma pessoa podia
cuidar de até 4.000 pés de café. Algumas pegavam 6.000, mas para dar conta,
durante a colheita, contratavam pau de araras para trabalhar até terminar o
serviço e pagavam com o dinheiro do bolso. O Toninho, hoje com 50 anos
trabalhou com seu pai na fazenda São Joaquim. Disse que ele ajudou a arrancar
os pés de café da fazenda. Queimaram tudo. Plantaram algodão no lugar. Hoje
plantam cana de açúcar.
O Toninho é cego de um olho. Ele me lembrou que chegou a ir para São Paulo e ficou na casa do meu pai uma vez e na casa do tio Augusto da outra vez, na tentativa de tratar o olho. Os médicos conseguiram um transplante de córnea para ele, mas depois repetiram os testes e descobriram que ele tinha o nervo óptico seco. Mesmo depois do transplante, ele não conseguiria enxergar, por isso acabou não fazendo. Mas isso não o impediu de trabalhar como motorista de trator por muito anos. Ele explicou que eles podiam fazer muito dinheiro com o café, mas ele logo se deixou levar pela bebida e acabou se tornando dependente. A bebida acabou com a vida financeira dele e o casamento também. O irmão dele, meu primo Odair, morreu aos 45 anos de problemas relacionados a bebida. O Fabio, o filho caçula da tia Zulmira ainda luta contra a adição. E fiquei feliz em ver que estão fazendo progresso. Lembrei do que o meu pai me disse sobre a época em que ele era jovem:
“Eu tinha 16 anos, mas eu era muito tímido! Eu não tinha coragem de convidar as moças para dançar! Meus amigos me incentivaram a beber e a fumar. Eu não gostava, mas fazia pare me sentir enturmado e para cativar as moças. Com 17 anos eu não precisava mais disso! Eu e meus amigos não se misturava com os rapazes da cidade, a maioria morava e trabalhava na roça.”
Me chamou atenção o fato do Toninho, se corrigir mais de uma vez enquanto conversava comigo. Disse ‘qualquer’ e logo corrigiu dizendo: “O certo é qualquer, não é?”. Lembrei-me das aulas de linguística na pós-graduação. Existe a língua culta e a língua coloquial, que falamos em casa. A língua que ele e os habitantes da região de Colina utilizam para se comunicar é o dialeto caipira, a língua falada por uma vasta maioria de pessoas da região do interior paulista. São eles que ainda mantém vivo esse dialeto que vêm da língua geral. Interessante notar que no Vêneto, Itália, ainda hoje mais da metade da população fala o dialeto vêneto seja com a família ou com os amigos, e utilizam o italiano padrão no trabalho e ocasiões formais. Eu diria que a língua caipira, ou o modo de falar caipira é quase um dialeto que continua a ser falado entre os amigos e familiares no interior paulista. Se um dia eu tive vergonha dele, hoje ainda é mantido vivo pela nova geração de paulistas.
Eu mostrei fotografias antigas que tenho deles. Fotos
deles crianças, minha tia solteira e depois de casada. Ela era moderna! Nos
anos 70 usava calças compridas em uma época que poucas mulheres usavam. Hoje
ela tem 72 anos de idade e continua moderna, forte e bonita. Estava com os
cabelos tingidos e usava óculos estilosos! Logo foi hora de nos despedir.
Volta pra Colina
Na volta para Colina, viemos pela Rod. Renê Vaz de Almeida, a estrada de
Monte Azul – Colina. Passamos em frente às porteiras de várias fazendas. Meu
pai e meu avô moraram em algumas delas e várias tem nomes de santos: Fazenda Santa
Helena, Santa Fé, São João, São Pedro, Corguinho, Paineiras, Carro Queimado,
Retiro, Consulta, Bule, Suco, Governo e O Teto, a comunidade na entrada de
Colina. Na entrada da Consulta para Monte Belo alcança-se as fazendas: Lagoinha,
São José dos macacos, Caçula, Iracema, Os Marques e Santo Antonio. Saindo da
estrada da fazenda Retiro, onde ficava a venda do Zapella, cruzando a Rodovia e
seguindo em frente, vai-se as fazendas Palmital, Asinha, Fazenda Velha e Água
Santa. Algumas nem existem mais ou
mudaram de nome. Perto do recinto da festa do cavalo temos a entrada para a
fazenda do Governo e da fazenda Colina. Saindo de Colina em direção a Barretos
há as seguintes fazendas: Santa Helena, São Joaquim, Santa Maria, Santa Paula.
E ainda tem a Onça, uma das fazendas mais antigas de Colina.
Na casa do Tio Nego
No sábado foi dia de visitar o meu tio Nego. Seu nome é Vitalino Sarti e hoje ele mora em uma casa na cidade de Colina, mas morou e trabalhou por muitos anos nas fazendas ao lado do meu avô Ângelo. A casa do meu tio é cheia de gaiolas com canarinhos. Quando criança ele e meus pais faziam armadilhas e pegavam canarinhos da terra e outros pássaros para prender na gaiola. As gaiolas eram feitas por eles com tiras de bambu. Falou de um pássaro chamado Urutau que se camufla entre as arvores. O Bacurau também faz o mesmo.
O Tio nego nasceu no Recreio, mas é registrado em Colina. Foi conhecer a fazenda Recreio depois de velho. Lembrou de ter visto a colônia e uma igrejinha, mas que já derrubaram tudo. Ele disse: “Quase todas as fazendas tinham uma igrejinha!”.
Eu contei a ele que
tínhamos ido até Dumont. Ele não sabia que seu pai havia nascido na fazenda
Dumont que hoje é município. Ele lembra que havia uma estação de trem lá, ouviu
falar, mas não viu. Sobre Terra Roxa, ele disse que é uma cidade encardida. Ele
visitou uma fazenda chamada Floresta em Terra Roxa. Na época havia a colônia, mas
já foi derrubada também.
Na região, hoje em dia, hoje se planta cana. Ele ia lembrando e falando:
“Mas depois que tira a cana, plantam soja ou milho, não dá para plantar cana de novo. Em Terra Roxa, uma fazenda chegou a dar 17 cortes. Mas em terra fraca, eles tiram 5 cortes.”
“Quando
chovia era uma beleza, os grãos caiam fácil no chão, mas aí tinha que esperar
secar para recolher. Tinha patrão que não gostava que faziam isso, mas tinha
que fazer, mesmo escondido, senão não davam conta do serviço. Tem que saber
bater para não danificar o cafeeiro.”
Ele carregou muitas sacas de cafés e feijão nas
costas. Plantavam uma ou duas carreiras de feijão entre os pés de café. Os pés
de feijão cresciam e chegavam acima dos joelhos de altura. Depois arrancavam as
fileiras, colocavam no carreador para passar com o carrinho e pegar. Levava
longe! Na fazenda Jangada perderam feijão. Acho que foi por causa da seca. Eles não precisavam dividir os feijões que
colhiam com o patrão se fosse colonos. O colono recebe salário. O valor é dado
por cada mil pé de café mais o valor da saca de café. Eles tinham um salário mensal,
mas no final do ano era feito o pagamento total, pelo valor de cada mil pé de
café.
Chegaram a ser meeiros, ganhando porcentagem. No Palmital eles eram meeiros. A família do Ângelo tinha bastante gente, eles pegavam muitos pés de café. A florada é de julho até setembro. Dois meses depois é a colheita. No primeiro semestre, usavam o tempo para fazer outras coisas. Eles faziam trabalho na fazenda para o patrão e ganhavam por diária. Eles colhiam o café e levavam para o terreirão pra secar a parte deles e da fazenda. Depois mediam o café para fazer o pagamento. No Palmital eles secavam em frente a colônia porque não tinha terreirão. Eles, seu pai e seus irmãos, construíram uma tulha para guardar o café e proteger da chuva. Na Jangada também eram meeiros, em 1962. Eles fizeram contrato de porcentagem, meia (50%), mas faltou chuva e perdeu uma florada, os colonos falaram com o patrão e pediram para mudar o contrato. Passaram pra colono, até o final do ano. Aí acabou o ano, eles se mudaram para a fazenda Caçula. O vô Ângelo só foi empregado quando era colono, sempre foi autônomo. No final da conversa ele acrescentou:
“A gente era feliz e não sabia! Trabalha muito, mas era uma vida livre. A gente andava pela fazenda a noite sem medo. Se um dia não podia ir trabalhar, a gente não ia. Tinham mais liberdade!”
Zica, Zilda e Isabel – As noras de Virginia
Um tópico reincidente nas conversas das minhas tias e primas é minha avó
Virginia, ou Dirce, como alguns a chamavam. Nesta viagem, não seria diferente,
o assunto ‘sogra/nora’ veio à tona, às vezes espontaneamente, às vezes porque
eu perguntei. Na casa de cada uma das minhas tias, falaram da sogra. Segue a
versão das noras:
Na casa da tia Zica.
Meu avô mudou-se da fazenda Palmital para a fazenda
São Joaquim, em Colina, em 1975. A Marlene, minha prima, hoje com 45 anos mais
ou menos, cresceu naquela fazenda e parece lembrar-se de mais coisas do que minha
tia Zica, sua mãe. Por exemplo, a Marlene mencionou que na fazenda São Joaquim,
havia plantações de algodão e café, depois arrancaram o café e plantaram cana
de açúcar no lugar. A tia Zica acha que foi a geada que matou os cafeeiros. A
Marlene lembra que cortaram os pés de café, mas eles brotaram novamente. Isso
deve ter sido já perto da época quando foram embora da fazenda. (Foto1: Evaristo e Zica quando ainda moravam na fazenda São Joaquim. Foto 2: Zulmira, meu avô Ângelo e eu, na fazenda São Joaquim em 1981)
Na casa da tia Zilda
Depois do almoço, eu notei uma cabaça pendurada no alpendre, usada como
decoração. Eu lembrei que a cabaça, também conhecida como porongo, era usada na
roça pelos colonos imigrantes. Minha tia disse que a planta da cabaça é uma
espécie de trepadeira, dava no chão, como abóbora. Às vezes ela trepava na
cerca ou alguma árvore e as cabaças ficavam penduradas. Eles usavam para
colocar água e levar na roça. A água ficava fresquinha.
“A vó
tadinha...tabalhava muito!”
Zenaide disse que amava torrar café. Isso porque pela tradição, quem torrava o café não podia se molhar, ou seja, não podia tomar banho, lavar louça, nem beber água. Ela pedia para a mãe dela deixar ela torrar o café, porque assim ela se livraria de lavar a louça naquele dia. “Como faziam?” - Eu quis saber.
Colocavam o
café no torrador. O torrador é cilíndrico com uma portinha, como uma gavetinha
na abertura para colocar os grãos de café dentro. A Zenaide empilhava os
tijolos, um em cima do outro e fazia duas pilhas, uma do lado da outra. No meio
colocava lenha e fazia uma fogueira. O último tijolo era colocado de quina, para
fazer um gasto nele, para a parte do cabinho do torrador encaixar nele. Ela se
sentava no chão e girava o torrador. Ficava um tempão fazendo isso! Cheirava de
longe! Depois de torrado, guardavam o café torrado em um pote. Na hora de fazer
o café, moíam na hora em um moinho manual. Minha mãe moía o café à noite,
porque ele não gostava de fazer barulho de manhã. (foto torrador de café)
Sobre o trabalho de casa, a Zenaide disse que elas lavavam
a louça todo dia depois da janta. Não havia pia com torneira. Lavavam usando
duas bacias que ela e a Esmeralda colocavam no rabo do fogão. A Zenaide lavava
e a Méria (Esmeralda) enxaguava. Depois tinham que guardar. Só depois disso elas
podiam ir brincar. A tia Zilda, depois que se casou, foi morar na fazenda São
Joaquim e lá, teve que fazer tudo isso sob o comanda da sogra, minha avó
Virginia.
Na casa da
tia Izabel e do tio Nego
Alguém começou a falar da minha avó.
Não foi um comentário propriamente positivo. Eu queria ouvir a versão do meu
tio e perguntei o que ele tinha a dizer sobre a relação da mãe dele com as
noras. Sua resposta foi:
Tio Nego: “Não sei se tinha
alguma coisa que a gente não via, alguma coisa entre ela e as noras. Talvez ela
achava que tinha que ser de um jeito, né!”
Eu: “Mas uma coisa é certa. A
vó era muito trabalhadora, não é?”
Nego: “Oh loco!”
Eu: “Não parava. Que hora ela
levantava?”
Nego: “Minha mãe ficava até
meia noite remendando roupa e às cinco horas do outro dia já tava de pé de
novo.”
Eu: “Não dormia então?”
Idalina: “Muito pouco!”
Nego: “E quando ela ainda ia
trabalhar na roça então! Na colheita do café, ela ia na hora do almoço e ficava
lá até a hora do café, umas três ou quatro horas da tarde. Depois ela voltava
pra casa pra arrumar a janta.”
Eu: “Final de semana tinha
descanso?”
Nego: “Imagina! Lavava roupa
na mão. Puxava água na mão. Fazia pão, tudo na mão.”
Idalina: “A vó judiou da mãe.
Sabe por quê? A mãe tinha que fazer o almoço e levar na roça.”
Nego: “Todo mundo fazia!”
Idalina: “Tudo bem, maasss, a
mãe pra comer.... a vó regulava a comida dela.”
Nego: “Era o sistema daquele
povo. Eu lembro até hoje, quando nois era criança. A Maria talvez até saiba
dizer. Era o sistema do povo antigo. Tinha galinha lá, o ovo não era comprado,
mas era um ovo repartido no meio, meio pra um, meio pro outro.”
Idalina: “Vocês acreditam? Um
ovo repartido no meio?”
Nego: “Mas, era o jeito deles!
Não é que ficava regulando. Era umas pessoas que não jogava comida fora. ...
Alface, uma folha, duas folhas de alface pra cada criança, só que era umas
foiona né! E tinha horta!”
Maria: “Mas quando eu casei,
vocês gostaram, sabe por que? Por que na sua casa, levantava de manhã, tomava
um golinho de café e ia pra roça. Quando
eu casei, eu era acostumada a comer pão com café. Eu falei pro Reinaldo, eu
quero pão com café. O Reinaldo disse pra sua mãe: ‘A Maria é acostumada a comer
pão com café.” Ai ela falou: ‘Então deixa ela comer o pão.’ E ai todo mundo
começou a comer pão. Pelo menos pra alguma coisa boa eu servi!”
(...)
Nego: “Então Maria, era o
costume deles!”
Nego: É sobrinha dela! Sobrinha
do meu pai! Da costureira ali, a Melhia (Amélia), minha mãe contou isso aí. Mas
não era ciúme não. Ela fazia muita fofoca pro meu pai pra ver se meu pai batia
na minha mãe.”
(...)
Nego: “Diz que meu pai
[Ângelo] gostava muito de ir no baile nas fazenda e deixava ela [Virgínia] em
casa sozinha. Ele largava ela grávida em casa e ia pro baile. E ela tinha
ciúme, achava que ele ia atrás de outra mulher.”
Maria: “Eu tenho dó, porque a vó
não era uma mulher de sentar. E a ela queria que a gente [as noras] fosse
igual.”
Nego: “Ela foi criada daquele
jeito. .... e sabe de uma coisa? Minha mãe falava que depois que ela casou, ela
nunca foi visitar os pais dela.”
Maria: “Mentira. Ela foi. E
sabe onde o pai dela morava? Sorocaba.”
Izabel: “Ela falava que era
sorocabana.”
Eu: “Sorocabana era a linha do
trem. O pai dela nunca morou em Sorocaba. Eles foram pra região de Presidente
Prudente.”
Izabel: “Ela dizia: ‘eu casei,
nunca mais eu vi meu pai!’”
Nego: “Por quê? Porque era um
povo diferente. Se ela não podia ir lá, ele não podia vir também?”
Eu: “Mudou alguma coisa? A gente ta falando pra ele [Nego] ir pra São Paulo ver o irmão dele, [Augusto] e ele não quer ir, disse que é longe. E hoje dá pra ir de ônibus, com ar condicionado. Naquela época era de trem, Maria fumaça.”
Conversa
entre tio Paulo, eu, Idalina e Zenaide (28/12/2019)
Nós morávamos na fazenda Jangada
em janeiro de 1962, quando eu nasci. A família do vô Ângelo foi para a fazenda
Caçula em setembro do mesmo ano. O Gusto (Augusto) deve ter ido para São Paulo
em 1963. Quando ele foi pra São Paulo, ele já estava namorando com a Célia
[Zapella]. Minha mãe disse que quando meu tio Augusto se mudou pra São Paulo,
ele foi morar com o Nêne. Logo depois arrumaram serviço pra ele. Quando meus
pais foram para São Paulo, ele era ainda solteiro. Uma vez a vó Dirce foi com a
Célia para São Paulo visitar o tio Gusto. A tia Célia ficou com medo dele
arrumar namorada por lá. Demorou um pouco ainda até eles se casarem. O Tio
Gusto arrumou casa, comprou móveis e veio buscar a Célia. Casaram-se em Colina.
A Idalina lembra do casamento e do vestido da tia Célia. Ela tinha vontade de
passar a mão no vestido dela, mas não podia, porque todo mundo vinha em cima.
Pelos meus registros, eles se casaram em 1966. (foto do casamento)
A vó foi mais de uma vez pra São
Paulo futuramente. O Paulo foi uma vez com o pai dele. A vó voltou para São
Paulo para buscar a Zenaide que estava morando em nossa casa em Mauá, região
metropolitana de São Paulo. Minha mãe recordou que quando a Zenaide morou
conosco em São Paulo, ela foi para estudar corte e costura. Ela tinha por volta
de quinze anos de idade. A Zenaide queria trabalhar lá, mas o meu pai,
Reinaldo, disse que sem autorização do Antonio, pai da Zenaide, ela não iria
trabalhar. A minha mãe veio com a Silvio para Colina para falar com o tio
Antônio sobre esse assunto, mas ele não deu autorização e ainda pediu para a
Zenaide voltar pra Colina. Minha avó, Virginia voltou com a minha mãe e a
Silvia para São Paulo para trazer a Zenaide de volta. A Idalina questionou
minha mãe:
“Porque a senhora não trouxe a Zenaide em vez de vir pra cá, levar a vó
e a vó trazer ela?”
Minha mãe explicou que a Zenaide não
queria voltar pra Colina. Ela queria autorização para trabalhar em casa de família
e o meu pai pediu para a minha mãe vir até Colina para falar com o tio Antonio.
Eu perguntei então:
“Nossa, não tinha carta naquela época?”
Minha mãe lembrou que para voltar
para São Paulo, minha mãe e a avó passaram uma noite na casa da mãe da tia
Célia em Colina para pegar o trem cedinho que ia pra São Paulo.
Paulo: “Eu lembro que minha mãe foi pra Terra Roxa uma vez. Foi fazer o que? Eu
não lembro! Eu chorei tanto!”
Passado algum tempo ele deve ter
lembrado o motivo e continuou:
“O Zé, filho da tia Néle, foi operado da úlcera e morreu. Irmão do Luiz,
ela é irmã da vó Virginia. Ela morava em Terra Roxa.”
Meu tio continuou a falar, à
medida que lembrava de coisas:
“Minha mãe tinha zipela [erisipela] na perna.”
A Zenaide acrescentou que as
peles soltavam da perna da vó e quando isso acontecia, ela pedia para a Zenaide
cortar com uma tesoura. Mas a Zenaide não tinha força para isso.
Eu queria confirmar se meu avô
Ângelo sabia escrever. Perguntei para o Paulo e ele confirmou que o Ângelo
sabia, mas minha avó Virginia não e acrescentou:
“Ele deve ter estudado só um ano na escola. Eu lembro da letra dele, era
muito bonita, desenhada!”
Eu acho uma pena que ninguém da
família tenha se preocupado em guardar cartas ou documentos dele!
Voltamos um pouco no tempo. No
final de 1961 a família do meu avô Ângelo mudou-se da fazenda Retiro para a
fazenda Jangada. Paulo lembra que várias das famílias da fazenda Retiro foram para
Jangada porque tinha um café bom ‘pra caramba’ lá. A Zenaide lembra dessa
mudança. Ela e o tio Tonho [Antônio] foram juntos para ajudar na mudança. A
Zenaide foi na carroceria do caminhão, sentada sobre uma fileira de sacos de
café. A fazenda era longe, pra lá de Barretos e passaram por cima de uma ponte
que era alta, e o trem passava por baixo. Era um perigo o caminhão passar lá
porque podia cair lá embaixo!
O Paulo disse que ia dar um ano
ótimo [pro café], mas as expectativas foram frustradas. Paulo acha que foi uma
geada, o Nego acha que foi falta de chuva, o certo foi que o café não foi bom.
Em outras palavras, foi um ano ruim de colheita e consequentemente ruim
economicamente para os colonos e para o patrão. Consequentemente, no ano
seguinte saíram de lá. A família do Ângelo Sarti e mais algumas famílias foram para
a fazenda Caçula, o Tininho Zanon foi pra Paineira.
Eu disse que tinha conhecido o Laércio
Zanon na oficina do meu primo Toninho. O Paulo explicou que o Laércio é filho do
Tininho. Lembrei que o tio Nego disse que o patrão da Jangada gostava do pessoal
e fez outras propostas, tentando convencê-los a ficar, que eles não iam perder
aquele ano, mas não adiantou, eles não ficaram na Jangada. Eu brinquei:
“Pelo menos este acontecimento serviu para eu nascer em Barretos em vez
de Colina!”
Minha mãe disse sobre o dono da
fazenda Jangada:
“O patrão, ele era muito bom mesmo. O Antonio [um colono, não meu tio]
aceitou a proposta do patrão e não saiu. Ele ficou lá porque a mulher dele teve
gêmeos. E o patrão dava o leite de graça pra ele cuidar da criança, e ele ficou
lá. Ele achava que ele devia muito favor pro patrão pra já ir embora, então ele
ficou.”
O Paulo disse que as mudanças de
uma fazenda para outra eram feitas geralmente em setembro. Deve ter relação com
a época de colheita, imagino eu. Sobre a mudança da fazenda Jangada para a
fazenda Caçula, minha mãe adicionou:
“A mulher do Tunicão era Schiarelli. Ela veio na frente [cabine do
caminhão] pra me ajudar a cuidar das crianças [Luiz a Elza].”
O Paulo lembra que, não sabe o
porquê, que cargas d’água, ele e o Nego rasparam a cabeça. Talvez por causa de
piolho, que era muito comum. O tio Gusto cortava cabelo e ele rapou a cabeça
deles. Um dia, eles vieram da fazenda pra Colina em cima de um caminhão, na
carroceria. O Paulo estava usando uma paetinha (chapéu de palha), bateu
um venho e levou a paetinha embora. Ele acrescentou: “Nooosssaaa! A orelha já era pequena (só que não) e o cabelo cortado na
máquina zero. Eu passei muita vergonha!” – A Zenaide admirou-se, pois o seu
pai, o Tuim era o barbeiro da família. Depois meu tio Paulo também aprendeu e
acabou abrindo uma barbearia em Colina. Mas o tio Paulo disse que o tio Gusto também
sabia cortar. Eles tinham uma cadeira marrom, ele cortava usando aquela cadeira! Hoje em dia, os dois filhos do meu tio Paulo,
Bruno e Wagner são autônomos e cada um tem uma barbearia em Colina.
Conclusão:
Como eu mencionei no início da postagem anterior, através
do diálogo é possível construir esta crônica familiar. Por serem acontecimentos
muito antigos, não dá para precisar se são fatos ou imaginação das pessoas que
os contaram. Não tentei embelezar as histórias. Nossa família não é perfeita e algumas
histórias aqui mostram isso. Nos parágrafos anteriores, eu me dediquei a
descrever as minhas memórias como também de outras pessoas da família, e dessa
forma, reconstruir a rica experiência que tivemos nos nossos passeios e principalmente
da vida da minha família que permaneceu no interior paulista. As histórias contadas
por outros membros da família nos dão pontos de vistas diferentes dos mesmos
objetos e acontecimentos. Elas aumentam, explicam e enriquem os fatos e minhas
observações.
Comentários
Postar um comentário